Jolivaldo Freitas

O dia em que João Ubaldo me expulsou no jogo contra a Argentina

Jolivaldo Freitas

Foi assim: João Ubaldo era editor-chefe da Tribuna da Bahia e começava a receber as láureas pelo seu livro Sargento Getúlio que acabava de ser vertido para o inglês. Ele mesmo fez a versão a pedido de uma editora norte-americana. Lembro que fui o primeiro a compartilhar com ele o dia e a hora em que recebeu o livro editado nos Estados Unidos e vi sua alegria imensa, seu largo sorriso e olhos brilhantes por trás dos óculos de aros grossos, como de menino que a mãe deixou tomar banho de chuva.

Ele segurava o livro evitando que a sobrecapa de papel chouchê liso com brilho caísse; ela que teimava em escorregar sobre a capa dura. Eram duas horas da tarde, horário em que eu chegava para receber as pautas das mãos de Alex Ferraz e falar besteira com o jornalista José Ribeiro, o fotógrafo Milton Mendes Filho e a arquivista Rosinha, antes de sair em busca do assunto proposto pela chefia.

João Ubaldo Ribeiro foi dos mais espetaculares chefes que tive nesta minha longa carreira de jornalista. Eu já o admirava por causa das suas crônicas em que escrevia na TB na coluna Tempo Presente. Textos do cotidiano, com leveza e humor. Algo que aprendi a fazer – sem querer comprar, é claro – lendo com sofreguidão, observando seu estilo, sua prosa. Ubaldo é o principal culpado de eu estar escrevendo para vocês, meus caros e sofredores leitores.

Bem antes de escrever seu segundo mais famoso livro (o primeiro é Sargento Getúlio) “Viva o Povo Brasileiro” João Ubaldo já estava cravado como aquele escritor que criou a moderna literatura brasileira. Mas, também era bom ler seus editoriais, perfeitos, bem escritos, diretos na jugular, num período em que escrever era um ato de coragem, criticar quase que um suicídio, nos tempos da ditadura militar.

Seus editoriais começavam de forma brilhante e encerravam com alguma máxima que era boa de se apreender. Vem a minha memória uma querela que tive com o então cardeal Dom Avelar Brandão Vilela, que não me suportava e que me atendia como repórter com a pior das vontades e eu pirracento só fazia perguntas chatas para a Igreja. Um dia ele escreveu uma carta para João Ubaldo sugerindo que eu fosse afastado da redação.

No dia seguinte quem abriu a página de número dois da Tribuna da Bahia, viu lá seu editorial me defendendo e ele aproveitando para desancar a Igreja Católica e suas mazelas ao longo da história. E, digno da pena de Ubaldo, o editorial terminava com a seguinte frase que nunca me sairá da memória: “Dom Avelar Brandão Vilela, cuide do seu rebanho que cuido do meu”.

Sim, mas e o caso do jogo contra a Argentina? Era a Copa de 1978 e o Brasil de Zico e Roberto Dinamite esperava o resultado do jogo Peru e Argentina para ir às finais. Somente uma tragédia para nós ou um milagre para os argentinos impediria mais uma taça para nós. A Argentina teria de dar uma goleada de quatro a zero para conseguir ultrapassar a gente.

O jogo começa justamente quando eu voltava para a redação trazendo importante reportagem. Todos na redação colados na TV com péssima imagem e João Ubaldo com os olhos vidrados na tela. Eu não acompanhava futebol e não sabia do resultado e só de sacanagem falei alto:

- Podem relaxar que o jogo será seis a zero para a Argentina.

No pulo Ubaldo me aponta e diz:

- Seo Jolivaldo Freitas, pode pegar sua matéria e ir fazer na casa da sua mãe. E não precisa trazer. Mande um parente.

E não foi que o presidente da Argentina Rafael Videla foi no vestiário da seleção peruana e disse que se ganhassem seria o paredón e se perdessem ganhariam dinheiro e terrenos na argentina e o Peru tomou de seis a zero.

Levei uma semana para aparecer e entrei pianinho.

Depois Ubaldo se vingou de mim em seu o livro Vila Real. E nunca mais quis assistir jogo comigo.

Falar em vingança, quem deve estar comemorando é o PT. Menos um crítico, de tantos ilustres.