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Ministério Público nega a existência de uma insegurança jurídica em Salvador

O procurador Wellington Lima e Silva
O procurador Wellington Lima e Silva

Presente na maioria das questões jurídicas envolvendo o interesse coletivo, o Ministério Público da Bahia assumiu posições firmes, especialmente durante questionamentos aos aparatos jurídicos propostos pela administração do ex-prefeito João Henrique em Salvador.

Para o procurador-geral do órgão na Bahia, Wellington Lima e Silva, esse caráter de fiscalização coloca o MP em risco “de ter interpretada a sua atuação como uma atuação de obstáculo”.

Ainda assim, Lima e Silva considera que “o Ministério Público não pode se furtar de ser o estuário de toda irresignação da população, devendo conduzir a pesquisa da veracidade e procedência dessas informações com todo critério e prudência, como de fato tem acontecido”.

Conheça o funcionamento deste importante organismo de controle e fiscalização por meio de uma entrevista exclusiva com o procurador-geral do MP-BA.

Tribuna da Bahia – Como o senhor, como procurador-chefe do Ministério Público do Estado, vê essa tentativa de tirar o poder de investigação do MP?
Wellington Lima e Silva
– A minha avaliação é de que o melhor desenho institucional em matéria de investigação criminal no Brasil é aquele que contemple uma diversidade de órgãos, de tal modo que essa pluralidade seja a um só tempo garantia de efetividade e de controle recíproco.

Tribuna – O senhor acredita que a mobilização que está acontecendo em todo país vá surtir efeito prático?
Lima e Silva
– Eu acredito que uma mobilização que seja antes de tudo pedagógica e esclarecedora tenha de fato, através de uma grande disseminação, a possibilidade de sensibilizar o parlamento. E a capilaridade dessa iniciativa do Ministério Público brasileiro é também uma forma de familiarizar a população brasileira com o significado e o alcance dessa proposta de emenda constitucional.

Tribuna – Qual o risco que essa PEC 37 traz para a população? O que isso vai impactar na vida das pessoas?
Lima e Silva
– Todo e qualquer monopólio em termos de atividade institucional somente deve ocorrer quando os resultados sejam indiscutivelmente positivos. Se existir a dúvida para optarmos entre um modelo de pluralidade de órgãos com capacidade investigativa e o outro em que se detém o monopólio, é preferível optar pelo primeiro, na medida em que o controle recíproco e o repertório diversificado de órgãos e de ferramentas tendem a seguir melhor o interesse da coletividade.

Tribuna – Já existe algum movimento do Ministério Público de entendimento com a bancada baiana, com os 39 deputados federais baianos?
Lima e Silva
– Este trabalho está sendo conduzido no âmbito do Conselho Nacional de Procuradores Gerais e no âmbito das entidades de classe também em nível nacional, como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, de tal modo que todos os parlamentares do Congresso Nacional têm sido alvo de uma sensibilização esclarecedora por parte desses diversos atores.

Tribuna – Muita gente questiona o motivo do Ministério Público se envolver tanto em questões que travam a cidade. Como exemplo, podemos citar a questão do Hotel Hilton. Por que isso acontece?
Lima e Silva
– Todo órgão de fiscalização corre o risco de ter interpretada a sua atuação como uma atuação de obstáculo. Nós, do Ministério Público, buscamos exatamente o equilíbrio. Fiscalizar a atuação dos órgãos do poder público, de acordo com a legislação vigente, e também possibilitar parceria com organismos da sociedade com encaminhamento e a construção de consensos que viabilizem o desenvolvimento e respeitem as normas legais em vigor.

Tribuna – Nós temos um imbróglio referente ao Aeroclube. O senhor acredita que vai ser possível fazer alguma coisa para se distencionar esse problema e modificar aquele área da cidade?
Lima e Silva
– Eu acredito muito que a nova administração municipal recém-eleita, visando preservar o seu importante ativo político de ter recentemente conquista a prefeitura de uma cidade importante como Salvador, tenha todo o empenho necessário de estabelecer as parcerias com a sociedade civil, com a Câmara Municipal, com os órgãos de controle e com os diversos níveis de poder no estado brasileiro a fim de que os seus projetos e iniciativas, que devem observar o interesse público, tenham chance de ser implementados.

Tribuna – No caso da orla, o Ministério Público pode ajudar a distencionar esse problema também?
Lima e Silva
– O Ministério Público vem diuturnamente, através dos seus diversos órgãos, empenhado em cumprir a sua tarefa de preservar o meio ambiente, de estimular o desenvolvimento social, humano e econômico da cidade e do estado, e não poupará esforços no sentido de elaborar instrumentos e cooperar para que soluções sejam forjadas de tal modo que viabilizem o equilíbrio na proteção desses valores.

Tribuna – Qual o motivo de o Ministério Público aceitar tantas denúncias que no final não apresentam resultados claros para a sociedade? O senhor acha que deveria haver um processo maior de triagem do que é investigado pelo MP?
Lima e Silva
– O Ministério Público não pode se furtar de ser o estuário de toda irresignação da população de uma maneira geral e de qualquer setor da sociedade, devendo, como sempre faz com tudo, conduzir a pesquisa da veracidade e procedência dessas informações com todo critério e prudência, como de fato tem acontecido.

Tribuna – Como está a organização do Ministério Público, sobretudo, no interior do estado?
Lima e Silva
– Nós temos uma diversidade de atuação bem grande, assegurada pela Constituição de 1988, e no estado da Bahia temos a particularidade de sermos, ao lado de uma atuação generalista, uma atuação especializada também em alguns domínios, como acontece na área ambiental e na área de sonegação fiscal, recentemente implementadas e que contemplaram na nossa estrutura administrativa a possibilidade de especializar esses âmbitos de atuação. De maneira que temos promotores regionais na área de sonegação fiscal e na área de meio ambiente, o que certamente propiciará uma atuação ainda mais específica em áreas tão sensíveis.

Tribuna – A Bahia, não só Salvador, e marcada pela insegurança jurídica. É uma realidade que afugenta inclusive novos investidores. Qual a opinião do Ministério Público sobre isso?
Lima e Silva
– A nossa opinião é de que essa é uma falsa percepção. Não há insegurança jurídica quando existem regras definidoras de procedimentos nos mais diversos âmbitos. O que existe na atual conjuntura é uma forte mobilização da população e de diversos segmentos da sociedade civil organizada no sentido de suprir um déficit de participação na formulação do desenho de crescimento da nossa cidade. E isto acabou por implicar numa judicialização que visa corrigir vícios formais da legislação produzida no período da administração municipal anterior. Neste momento, todos os atores envolvidos neste processo estão fortemente empenhados, inclusive com o aval e o estímulo das entidades representativas da sociedade civil, em encontrar caminhos e soluções que viabilizem a superação de qualquer impasse ou desate de qualquer nó nessa matéria.

Tribuna – Essa instabilidade jurídica é mais forte em Salvador. Por que ela acontece? Por que a gente chegou nesse estágio de judicialização da cidade? De tudo ser processado e de tudo parar na Justiça, devido a questionamentos?
Lima e Silva
– É difícil especular sobre graus diferenciados de litigiosidade nas diversas metrópoles. Todas as grandes cidades do Brasil se deparam com problemas alusivos a mobilidade, a crescimento desordenado, cada uma com as suas peculiaridades. No caso de Salvador, efetivamente, nos últimos anos, houve um distanciamento daquilo que a sociedade civil organizada esperava e aquilo que acabou sendo produzido de material normativo para regular esse domínio.

Tribuna – Já que a gente falou na gestão do ex-prefeito João Henrique, o que se tem de resultado de investigações que aconteceram ao longo daquele período, a exemplo da área da saúde, onde o MP Estadual e o Federal se uniram para investigar irregularidades que existiam?
Lima e Silva
– Os procedimentos do âmbito do Ministério Público, tanto em matéria criminal como em outras matérias, eles têm o seu seguimento na absoluta marcha de normalidade. E muitos deles dizem respeito a complexas investigações que envolvem a necessidade de análise contábil, financeira, o que demanda um período de tempo mais dilatado, de maneira que eu não teria como, numa síntese adequada, reproduzir a enorme diversidade de procedimentos que se desdobram no Ministério Público Estadual, no Ministério Público Federal, com o auxílio e a colaboração de outras instâncias técnicas. Todas elas estão sendo conduzidas com todo critério e rigor e chegarão, a seu tempo, as conclusões que se revelarem consistentes.

Tribuna – Qual a expectativa do senhor com relação à administração do prefeito ACM Neto? Como se dará esse diálogo entre o Ministério Público e a administração da capital?
Lima e Silva
– O diálogo entre o Ministério Público e qualquer gestão em qualquer nível de governo deve sempre, segundo penso, ser pautado na convergência de observância do interesse coletivo. O Ministério Público deve sempre arregaçar as mangas para ajudar, orientar o gestor de todos os níveis a observar as leis do país e a viabilizar o atingimento do interesse público como objetivo precípuo.

Tribuna – Com relação à polêmica da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) e do Plano Diretor, o que é que a gente tem de fato novo nesse imbróglio - que é um dos que geram instabilidade jurídica na cidade?
Lima e Silva
– O Ministério Público instado por dezenas de entidades da sociedade civil ajuizou uma ação declaratória de inconstitucionalidade, obtendo uma liminar, e vem, no âmbito desta ação, desenvolvendo todos os esforços a fim de que tenhamos ao final e ao cabo a observância dos valores sociais relevantes na decisão do tribunal.

Tribuna – O Tribunal de Justiça da Bahia é apontado como um dos piores do país. Como o Ministério Público baiano avalia isso?
Lima e Silva
– Em minha opinião, o Tribunal de Justiça da Bahia vem desenvolvendo um grande esforço para superar as dificuldades de conjuntura e vem se aproximando da comunidade jurídica a fim de que esses parceiros sejam solidários com este compromisso e esta missão de superar essas dificuldades de conjuntura. Eu acredito que a vocação da Bahia é sempre uma vocação de grandiosidade, e o tribunal jamais deixará escapar essa perspectiva e sempre estará buscando estar em consonância e em perfeita diapasão com a vocação que a Bahia tem.

Tribuna – Qual o motivo de o Ministério Público não voltar suas atenções para o governo do estado, para a Assembleia Legislativa, já que sempre se percebe a atuação do MP voltada para a área municipal?
Lima e Silva
– A sua própria pergunta anterior já responde a sua segunda indagação. O Ministério Público poderia ter sido questionado, como você fez anteriormente, sobre o destino e a sorte dos procedimentos em relação a outra administração municipal, e agiu com toda prudência, com todo critério, com todo rigor. E deve agir da mesma forma com o Poder Legislativo, Executivo, com seus próprios domínios internos e com o Poder Judiciário na sua tarefa de fiscalização. A nossa engenharia institucional dota os membros do Ministério Público de autonomia funcional, e cada um, no âmbito das suas atribuições, sempre pauta a sua conduta observando a eficiência e o interesse coletivo.

Tribuna – Qual é o maior desafio hoje do Ministério Público baiano?
Lima e Silva
– O desafio do Ministério Público baiano é continuar mantendo o seu nível de qualidade nos domínios em que já atua no padrão de excelência e, cada vez mais, replicar esse padrão na vastidão do nosso interior, dos limites e das fronteiras do nosso estado, e fazer com que cada experiência exitosa num âmbito específico seja replicada também em outros âmbitos.

Tribuna – Foi instituído no começo do governo Wagner um comitê onde havia representantes do Ministério Público, governo do estado, Assembleia, Judiciário. Por que esse projeto de discussão dos problemas do estado não foi adiante?
Lima e Silva
– Você está se referindo ao Agenda Bahia, que teve momentos em que algumas questões importantes do estado foram pautadas e dos quais participaram presidente do Tribunal de Justiça, procuradores gerais de Justiça, presidente da Assembleia, o governador e outras autoridades, e eu entendo que hoje nós temos um desdobramento em alguns setores daquela pauta formulada pela Agenda Bahia, uma vez que na área de segurança pública, na área de sonegação fiscal, especificamente através da existência recente de um comitê interinstitucional de recuperação de ativos, bem como do esforço de formulação de um projeto, de uma política pública de segurança, todas essas iniciativas me parecem desdobramentos daquela ideia matriz. Obviamente que o nosso papel é fiscalizar a atuação dos diversos órgãos, sempre com a prudência e o critério que iguale o tratamento a todos os gestores, através da asseguração de uma ética de responsabilidade e, desta forma, o Ministério Público estará presente em tantas quantas forem as iniciativas, de onde quer que elas venham, desde que o interesse colimado seja o interesse público.

Tribuna – Existe algum projeto para tentar aproximar o MP das demandas da população?
Lima e Silva
– Existem vários projetos, de diversos núcleos, como a Comunidade Legal, o MP e os Objetivos do Milênio, o Núcleo de Paternidade Responsável. O MP e os Objetivos do Milênio tem sido reconhecido por organismos nacionais e internacionais como um projeto de grande engenhosidade, que, através de fórmulas relativamente simples e práticas, conseguem fiscalizar e implementar a eficiência dos organismos públicos em diversas cidades do interior do estado. E nós estamos tentando dar unidade e organicidade a essas iniciativas através do nosso plano geral de atuação, que é o recorde anual da nossa definição estratégica que foi formulada no nosso plano de gestão estratégica.

Tribuna – Como o senhor espera que o Ministério Público seja visto pela população?
Lima e Silva
– O Ministério Público já tem sido reconhecido em recentes pesquisas, por confiáveis organismos nacionais, como uma das entidades de maior credibilidade, junto a outras instituições também consagradas como a Igreja, as Forças Armadas, de maneira que a melhor forma de esperar que o Ministério Público seja visto no futuro é que ele preserve a confiabilidade que tem alcançado até os dias atuais e consiga ainda se afirmar de forma mais enfática em alguns domínios específicos, onde a percepção da coletividade não já tenha se concretizado.

Colaboraram: Fernando Duarte e Fernanda Chagas