Jolivaldo Freitas

O cego e o politicamente correto

A propaganda nacional desde há muito deixou de ganhar os prêmios em profusão. A propaganda baiana só de quando em vez dá uma dentro. Os prêmios, notadamente os de Noviorque e os de Cannes minguaram ou escafederam. Mas não precisava estar hoje, num patamar tão inferior. Um colega publicitário, que já ensinou até na MPM, me disse que é por causa das faculdades, que existem às centenas e em municípios em que não caberiam sequer uma agência.

Cada buraco hoje tem uma faculdade e elas ficam despejando sem parar, como se fossem dutos quebrados da Embasa, leva de profissionais que não sabem nem o que é um JOB, quiçá um brainstorm e muito menos que criação requer transpiração.


Então vemos propagandas absurdas e um certo déjà vu. Embora eu não seja partidário do politicamente correto, pois viado é viado, aleijado é aleijado, branquela é branquela, negro é negro e cego é cego e o resto é vergonha de falar as palavras certas.

Tenho um amigo cego que se alguém diz que ele é deficiente visual responde na hora que deficiente é a puta que pariu. Ele diz que é cego e que não é o politicamente correto que vai devolver sua visão.  Tem uma propaganda passando na televisão, das lojas Marisa, que só mostra belas mulheres vestidas de calcinhas à R$ 7,99. Todas brancas. Todas magras. Não tem preto. Não tem gorducha.
 
Este amigo meu que é cego, mas não é deficiente dos miolos me disse que eu estava era ficando ranzinza, mas que trilhava o caminho certo, pois a Marisa está errada quando não coloca modelos negras. Mas, diz o ceguinho, acertou quando não colocou modelos gordas. “Gordas, seu Joli (é assim que me trata), só serve para usar calçola. Qualquer outra peça a gorda estraga a marca e a criação: “Melhor nem ver”. Cego mais escroto. Trata-se de um cego politicamente incorreto, é claro. 
 
Ele lembra que quando ainda enxergava tinha uma propaganda da loja A Feira dos Tecidos, que não mais existe, que de tão ruim e de tanto ser repetida. Até de madrugada quando ninguém assistia, vendia tanto que em pouco tempo tomou o mercado e fez a concorrência fechar as portas.

O meu amigo cego relembra que um dia tomou coragem e chamou um colega da escola para pela primeira vez fumar cannabis. Fechou todas as janelas e portas do apartamento, pois não sabia qual seria o efeito e não queria se jogar do prédio. Tragou o embrulho todo e nada de efeito. Foi quando apareceu o odioso reclame da maldita loja. Um VT de 45 segundos. 
 
Era madrugada e ele se virou para o colega e disse que não suportava aquele comercial, mas que tinha visto o anãozinho que torcia pelo Bahia (já morreu, por sinal) derrubando o gigante da Boca do Rio, que era o Rei Momo alternativo do Carnaval baiano (que também já morreu, por sinal. Vixe!) e o apelo: “Preço baixo derruba o preço alto em A Feira dos Tecidos”.
 
O amigo:
 
- Rapaz, o pequenino derrubou o grandão.
 
O cego:
 
-O anão derrubou o gigante
 
Os dois:
 
Hahhaha! Hahahaha! Hahahaha!
 
E foi assim até o dia amanhecer. Ou seja: propaganda ruim deixa o cara doidão.