Jolivaldo Freitas

Por falar em seca

 Já são mais de trezentos municípios sofrendo com o problema da seca. E a cada período de chuva é lamentação e morte. Engana-se quem pensa que só morre boi e vaca. Morre gente também.

Crianças e idosos são vitimadas por doenças com destaque para a caganeira pela utilização de água salobra ou contaminada. E todo período de seca alguém lembra que o governo vigente deixou de cumprir com sua obrigação de fazer mais barragens, aguadas, poços artesianos, cacimbas e acender vela para São José.

Será que se a presidente e o governador pegassem as “disciplinas”, que vem a ser um chicote de couro com unha de metal, dos penitentes de Juazeiro e lanhassem as costas pedindo ajuda ao Senhor, não faria chover? Eles deveriam subir de joelhos o morro de onde estão as capelinhas postas por Antonio Conselheiro?


 Lembro de várias coberturas de seca que fiz para vários jornais e o drama sempre se repetia. As queixas as mesmas e a desculpas mudavam de dono, mas não mudavam de formato. Parecia até que tinha manual. Tanto fazia ser no governo Militar como nas gestões socialistas. E tome colocar culpa no destino.

Quem mora em seus apartamentos na cidade grande não sabe da missa metade. Certa vez eu e um fotógrafo fomos escalados para fazer reportagem na região de Ribeira de Pombal, seguindo até o Raso da Catarina. Como caia a tarde, pedimos abrigo numa casa em uma pequena vila formada por umas vinte casebres. Por absoluta idiotice ou levados pelo cansaço pedimos água para tomar banho. Acredite meu caro ouvinte!
 
 E vimos que a senhora idosa foi buscar água na casa do cacete, longe pra caraça pra gente tomar banho. Só notamos na sua volta e ficamos tão constrangidos que desistimos do banho e mandamos que ela coasse e fervesse para a família beber ou usar como quisesse. Com fome perguntamos se ela tinha alguma coisa para comer, que pagaríamos bem. Ela foi ao quintal, pegou a galinha – viemos e saber depois que era a única que tinha – fez um ensopado e colocou na mesa. 
 
Quando fomos comer notamos que na porta e na janela estava um monte de crianças famélicas, olhando a iguaria, atraídas pelo cheiro. Até as moscas, coisas que me diziam não voejavam à noite, se faziam presente. Foi olhar a criançada e a garganta travou. Não conseguimos comer. Pegamos a panela, jogamos o máximo de farinha possível acrescentando água fervente e sal para render e fazer a pirãozada mais louca (eu que sou tirado a cozinheiro, a gourmet). Deu para todo mundo. Fomos dormir e acho que sonhei com o inferno. Já pensei em transformar a história num romance.
 
Um livro onde os personagens seriam as autoridades constituídas, as pessoas que ganham com a seca, os miseráveis e histórias engraçadas (tem, sim senhor!) como um avião da Sudene, nos anos 1970, que foi aspergir sal nas nuvens para fazer chover. Não deu certo e eu disse ao piloto que talvez fosse melhor jogar açúcar. As nuvens pelo menos virariam algodão doce. E ele me pôs a correr.
 
Sem falar na piada que foi entre 1877 e 79 quando a seca braba “emocionou” tanto o imperador Pedro II que ele em acesso de demagogia disse que venderia até a última joia da Coroa para sanar o problema. Se vendeu ninguém sabe e ninguém viu. Ou alguém recebeu, vendeu e sumiu. Na verdade ele se picou com tudo. A seca era do Brasil. Não pertencia mais a Portugal.