Jolivaldo Freitas

Os lustres da Câmara dos Vereadores

  Os vários sinais de breguice, jequice ou cafonice se externam compulsoriamente, por mais que as pessoas queiram esconder. Saltam como sacis em uma perna. Estive outro dia no prédio do antigo Instituto Feminino, juntamente com um amigo e uma amiga. Ele marchand. Ela professora de arte e arquitetura. Ambos moram em Barcelona, cidade que é um museu em pleno céu aberto; tanto de antiguidade como de modernidade.


 Todo orgulhoso mostrei móveis, adereços, cristaleiras e objetos dos séculos XVIII, XIX e XX (é assim mesmo que se escreve em romano? Esqueci. E olha que apanhei de régua e palmatória para decorar num tempo em que aluno se borrava de medo quando a professora pedia para dizer a Tabuada de cor e salteada e não agora que a professora se mija na calçola quando tem de encarar um aluno ou aluna).
 
 Os dois amigos entraram, vistoriaram todas as peças, a decoração com mistura de barroco, bizantina, nouveau, Dèco (claro que é exagero meu) e percebi que um olhou para outro, discretamente.

Perguntei se estavam gostando e ao mesmo tempo responderam laconicamente que sim, então saquei que havia algo mais que não queriam me dizer, e não podia ser coisa boa, na certeza estavam me preservando pela velha amizade. Insisti e responderam: “É muita mistura. Falta unidade e algumas peças que estão sendo mostradas como arte de um período, na verdade não tem valor de época”. Fiquei mudo e saí calado, rindo amarelo e cheio de tiques nervosos. 
 
 Estive recentemente na Câmara Municipal, bem no plenário. Quando vou lá sinto uma energia legal, como se estivesse adentrando realmente no passado de Salvador. Acho que nada representa tanto nossa história como este palácio. Enquanto os oradores falavam mais que Cosme de Farias, fiquei olhando cada detalhe, os frisos, os afrescos e meu olhar se quedou nos lustres.

Lembrei dos meus amigos especialistas nestas coisas e fiquei perguntando se eram mesmo de cristais. São três imensos. Bonitos. Mas não precisei de muito saber para ver que colocaram neles, a guisa de economia de energia elétrica, estas lâmpadas de luz brancas. Ficou brega. Deixou o ambiente triste, parecendo saguão de rodoviária.
 
 A Câmara tem destas coisas. E até as pessoas que por lá aparecem nas festas em homenagem a algo ou alguém, como a que fui, parecem perder a noção. Lá estava uma senhora com mais de 70 anos, cheia de pelanca com uma minissaia de ouro marrom que mostrava até a ponte de safena.

E uma garota por volta dos 20 anos, trajando um vestido comprido, cheio de frufu e arrematado por lamê que a deixava velha e feia, brilhando mais que os lustres do plenário. E para piorar o ambiente colocaram uns garçons de vermelho e preto com lenços na cabeça, parecendo piratas. Fazia tempo que os piratas não invadiam a Câmara Municipal. Ou não?