Jolivaldo Freitas

O baiano e a civilidade

Quando mais o tempo passa é que se vê que nada muda, a não ser o efeito da gravidade sobre homens e mulheres. O baiano continua a fazer a mesma coisa que antigamente: mija em qualquer lugar, chupa catarro com presepada, fala alto e não pede licença, nem diz obrigado. Os hábitos vindos desde os portugueses lá do Império ficaram arraigados e de vez em quando a gente denuncia, chama a atenção, ralha aqui nesta velha Tribuna da Bahia, que graças a Deus não para de se modernizar e não ficou mal acostumada.  Nossa crítica sempre foi construtiva, para ver se ajudamos a Bahia a melhorar seu relacionamento social e vermos aplicadas as normas de civilidade.

O baiano se supera e quando achamos que está indo direitinho para o lado certo, ele dá um jeito de desviar. A tecnologia moderna, por exemplo, vem servindo para que as relações sociais fiquem estremecidas.

Semana passada um soldado deu uma porrada no pé da orelha de uma moça porque ela ligou o som dentro do ônibus apinhado de gente. Som alto tocando seu arrocha, o homem falou, pediu, se ajeitou e quando a moça mandou ele se catar e tomar naquele lugar foi um descontrole e caco de som para tudo que é lado, a moça querendo desmaiar e o povo – que todo mundo achava iria se voltar contra o policial – aplaudiu sua iniciativa.

Todo dia tem alguém se queixando de poluição sonora. Com a mania dos celulares, tem dias que é um inferno dentro dos coletivos cheios, com cada proprietário do aparelho móvel colocando a música que gosta: axé, pagode, sertanejo ou pior: o que não falta por aqui é compositor e tem sempre alguns aumentando o som para que o senhor ou a senhora possa “curtir” o melhor da lavra do moço, feita por ele mesmo com a ajuda dos amigos do bairro.

Imagine no que é uma pessoa passar o dia inteiro em pé, atendendo dondocas nas lojas dos shoppings e quando consegue pegar o buzu para relaxar enquanto faz a linha para casa começa a participar, aleatoriamente, como elemento de platéia de várias vertentes musicais em largos decibéis no pé do ouvido. O tímpano reage, dá nos nervos e ou cara se amofina ou enlouquece e vai para o desforço físico, como o fez o policial, embora eu ache que foi um exagero.
Se bem que fui dizer isso para um amigo e ele me passou uma descompostura:

- Não é você que tem carro que não precisa pegar ônibus na Estação da Lapa e viajar até Cajazeiras com aquele barulho no juízo. O cara chega em casa que não quer nem comer, imagine dar boa noite para os vizinhos, abraço nos filhos e um beijo na mulher.

E contou que na única vez em que foi se queixar de uma moça que entre falar alto para todo mundo ouvir no celular com o namorado e botar Luan Santana com seus sucessos, como se estivesse numa festa de largo, ainda se dava ao luxo de cantar junto. Foi com jeito. Deu boa noite e a moça não deu bola. Pediu licença e ela fez que não era com ela. Disse por favor e ela virou a cara. Quando pediu para abaixar o som foi um horror. A moça mostrou que tinha um largo vocabulário popular:

- Vá te catar. Vá se f. Se lasque. Me deixe em paz seu corno. Tome conta da sua vida. Procure sua turma. Vá pra casa da p.  Se você é homem venha desligar meu aparelho.

Ele disse que este foi o único momento em que outros celulares, radinhos, MP3, iPod e outros aparelhos que tocam música se calaram. Todo mundo querendo ver o que ele iria fazer. Ele se levantou, puxou a mochila, apertou o botão, o ônibus parou e desceu no escuro. Nem sabia onde estava, de tão tonto quer ficou pelo que ouviu. Ele agora comprou um fone de ouvido, liga o som bem alto e viaja. “É a vida”, diz. É a Bahia de hoje, digo.