Jolivaldo Freitas

Horário de Verão: a revolta dos galos

O povão não entende esse negócio de Horário de Verão.  Muito menos de alvorecer, solstício ou equinócio. Não adianta dizer que a ideia é aproveitar que o dia chega mais cedo e o sol se põe mais tarde e economizar um pouco de energia elétrica, dando um refresco para as hidrelétricas, pois todo mundo acha mesmo é que a eletricidade nasce na tomada da sala - no switch como se dizia antigamente -. No interruptor.  Mesmo sem motivo aparente a queixa sempre vai existir. O porteiro de um prédio pediu à síndica para chegar mais tarde, pois esse negócio de horário novo estava acabando com ele.

Ocorre que o cara pega no batente a partir das 9 horas da manhã. Não tem como pegar escuridão quando sai de casa. Ele queria passar a entrar às 10 horas. O motivo: só porque é Horário de Verão e ele acha que está acordando uma hora mais cedo. A forma de explicar para o povão é dizer o seguinte: meu caro, você está dormindo o mesmo número de horas que sempre dormiu. O que muda é a cor do dia. Só isso.
E ele respondeu com o cérebro perdido num imenso lusco-fusco: - É!

A Bahia ficou dividida. O pessoal da indústria e serviços achou legal a atitude do governador que tomou coragem e foi pedir humildemente, contrito, para Dilma acatar nossa entrada na nova hora. O povo do comércio ou quem presta trabalhos domésticos garante que Jacques Wagner foi escroto e só pensou no lado do empresariado (aliás, uma vitória da Federação das Indústrias do Estado da Bahia, que desde os tempos de Vitor Ventin vinha brigando pela adequação).

Quem não gostou e chiou foi o representante das padarias, Mário Pithom, que ficou com pena do padeiro que é o primeiro a chegar ao trabalho e ainda com os olhos cheios de remela.

 Mas o Horário de Verão que agrada a quem viaja muito, pois não corre o risco de perder avião ou ônibus, desagrada mesmo é aos galos e outros animais. Zeus, o cachorro lá de casa passa o dia bocejando. Onde se viu bater pratos e panelas com tudo ainda escuro? Queixa-se.

 Os galináceos do subúrbio estão acostumados com toda sua arrogância, prepotência e empáfia a cantar logo quando o dia começa a raiar acordando e incomodando o vizinho do lado – pois o dono do galo já está acostumado ou não se importa, por gostar do modo de despertar e o resto que se lenhe. Coisas da Bahia.

 Os galos estão indóceis. Como pode ser esta novidade do vizinho agora acordar mais cedo que ele? Fazer barulho antes dele? Todo mundo já ouviu falar dos galos de Campinas. Sempre famosos por cantarem forte e enfrentarem qualquer peleja. Dizem até que eles ajudaram nas lutas pela Independência da Bahia, lá pelas bandas de Campinas de Pirajá, não dando sossego às tropas portuguesas que não conseguiam dormir com o có có ri có noite e dia. Fazendo escarcéu dos diabos quando vinham atacar; ou bicando descaradamente e pondo para correr os soldados mais frouxos.

Dizem até que quando o corneteiro Lopes tocou “avançar” ao invés de “recuar”, os galos foram os primeiros a ir para cima e escorraçar os inimigos. Verdade ou lenda o certo é que para pegar um galo de Campinas e botar na panela tem que ser muito macho. É cada esporão que parece até peixeira afiada.

 Pois quem mora no subúrbio está observando um movimento estranho entre os galos. Com certeza estão aprontando alguma em seus sinédrios avícolas.  Andam olhando de lado, ciscando sem motivo aparente. Não batem as asas. Não encaram. Mostram até uma certa humildade. Nem as galinhas eles estão procurando.

Tenho certeza que irão reagir e passarão a cantar mais cedo. No meio da madrugada. Onde se viu gente acordar antes do galo cantar? Ainda mais na Bahia onde nem motorista de ambulância de plantão gosta de ser incomodado em seu sono. E sem irem às galinhas vai faltar ovo na praça e os pintinhos não nascerão. Vai ser uma crise no comércio.Os galos são vingativos.