Todo cubano, a partir de agora, poderá ser feliz proprietário de um imóvel. E pode até mesmo ter mais de um carro. Se tiver dinheiro será um portentoso empreendedor e quem sabe se transformará em tempo hábil num Antonio Ermírio de Moares, um Eike Baptista ou Bill Gates. Hoje em dia está podendo tudo sob o sol de Havana.
O governo cubano abriu quase que geral, mas não de forma irrestrita, claro. Quem pensa que é uma gentileza está se perdendo em divagação. A realidade que começa a envolver o povo cubano é uma imposição da democracia e da globalização. Ou Cuba entra no jogo do mercado ou Cuba lança seu povo em mais miséria.
A notícia que o cubano poderá ser dono do imóvel onde mora ou fazer o que quiser com ele, inclusive vender, é apenas um marco no papel. Estive em Cuba há alguns anos passados e o cubano já repassava o imóvel por baixo do pano. Algo tragicômico era ver que quem tinha um sobrado vendia um quarto ou a sala para outrem. Imagine você morar numa casa com cinco quartos e três deles pertencer e ser habitado por estranhos. Está lá você na sala, vendo a TV e de repente passa um cara de cueca, coçando os quipás bem em sua cara. “E aí vizinho, vai uma cerva?”
Você namorando no sofá e o feliz proprietário de um dos seus quartos entra e dá um piparote na sua orelha e comenta: “Aí, hem!” Parece loucura mas vi que em várias moradias era assim. Mas, se olharmos bem distante vamos ver que os imóveis dos cubanos, hoje, pertenceram a outros cubanos que tiveram de se picar para os Estados Unidos. Foram desapropriados pela Revolução.
Como também Cuba vai terminar tendo de permitir a volta dos cidadãos, embora já mais encarquilhados que Fidel Castro, assim que forem chegando eles pedirão o imóvel de volta. Vai dar tiro. Se bem que mercado imobiliário cubano é obra de ficção. Os imóveis velhos só se aguentam em paz por obra e graça de Nossa Senhora do Cobre, padroeira dos cubanos.
Muitos cubanos têm carro. Certa vez indo de Havana para Varadero – era a primeira vez que visitava a Ilha – me deparei no meio de uma estrada vazia fazia horas, um carro vermelho, conversível, tipo rabo-de-peixe com vários passageiros. Na verdade era apenas a metade do veículo usado à guisa de carroça puxada por um boi chifrudo. Cuba é o maior museu de carro velho (Renault, Cintroen, Simca, Corvair, Bel Air ou Cadillac), mas que em sua época capitalista fazia a alegria dos ricaços que os tinham em profusão em suas mansões ali, além e aquém do Malecon.
Cada carro é um exemplo de um milagre. Você para e se pergunta como eles resistem ao tempo e como é que andam se as peças não mais existem. É bom lembrar que os russos também deixaram por lá seus Ladas. Um horror. Estes se acabaram mais cedo.
Cuba é um país de oficinas mecânicas e ao torno mecânico deveria ser erigido um monumento. Em cada ponto tem uma oficina que com toda a criatividade inventa uma peça de reposição ou improvisa alguma coisa que dá certo. Como Cuba não tem montadora, como será que o cubano fará para ser proprietário de mais um veículo? Vai ter o prazer de se apossar de mais um carro russo e ter duas dores de cabeça.
Já o empreendedor está livre para abrir as portas de um bom negócio. Se bem que já o faziam. Comi numa pizzaria, perto do edifício do Capitólio de Havana, onde o dono fazia a massa, assava a pizza e vendia. Aceitava dólares, euro ou peso. Se não, aceitava também tíquetes de racionamento. Não podia era perder a freguesia. A pizza era servida em pé, num balcão externo e num pedaço de papel. Bares e restaurantes autorizados também vendiam cerveja Hatuei e uma espécie de Cola, fabricadas e engarrafadas no Panamá. Beber duas destas cervejas e ficar em pé é coisa para macho, tanto é o teor alcoólico.
Pois é! Agora o cubano vai poder pegar a grana que recebe de familiares que moram em Miami e enviam os dólares todos os meses religiosamente e montar um belo negócio, que pode até mesmo fabricar roupa de griffe. Com certeza vai começar uma pirataria. Entretanto, será algo melhor que a guaiabeira, roupa tão sem graça que nem Fidel usa mais. Só Lula, Hugo Chávez e o PT cururu. Mas aí é outra conversa.
Jolivaldo Freitas