Estava eu lá, fazendo cobertura para o portal Notícia Capital, tirado a repórter que sou, em pleno Centro Administrativo da Bahia, tomando chuva no cangote e correndo para entrar rápido no prédio da Secretaria da Agricultura. Acelerei, pulei uma barraquinha e um lonado e invadi. Levei logo uma calçola pelas fuças. Estava pendurada num varal, enxugando.
Desvencilhei-me e uma cueca com forte cheiro de iogurte passado colou na minha cara. Chamei por Deus; abaixei mais rápido que águia atrás de cobra e lá estava uma senhora imensa tentando se enrolar numa toalha de rosto. Fechei os olhos e falei comigo mesmo: “melhor ver isto que ser cego”.
E a partir daí foi uma aventura difícil de narrar, parecendo a jornada de Ulysses, mas vou tentar explicar da melhor forma possível para que todos entendam. É que grupos de trabalhadores rurais sem terras invadiram o prédio da Secretaria da Agricultura mode chamar a atenção da opinião pública, e com isso pressionar as autoridades a virem com seus adjutórios e fazer uma reforma agrária decente.
Eu, e outras pessoas que conheço, entendi ser mesmo necessário que os agricultores tomem posição. Protestem, chamem a atenção e cobrem. Se assim não for, nada vai sair do papel, como ocorre hoje, em que as famílias são jogadas em fazendas desapropriadas, mas ficam esperando ajuda do céu. O governo entrega as sementes, mas como não faz acerto com São Pedro (ou não dá um por fora ou manda José Dirceu fazer um traficozinho de influência) não chove. Como não tem sistema de irrigação e muito menos poços, o trabalhador vê a semente esturricar.
Mesmo aqueles que conseguem o milagre de plantar, ver florescer, vingar e colher, fica a ver navios. Claro que navio não há, onde se viu cargueiro no sertão. Caminhões que deveriam passar - isto é que é certo e fico eu inventando este negócio de navio e daí ninguém entende mesmo o que escrevo - se recusam, pois o prefeito não fez a estrada vicinal e joga a culpa no governador, que rebate para o ministro e por aí vai.
Os agricultores têm mesmo que sair arregaçando. E lá fui eu adentrando o prédio da secretaria. Desviando de uma trouxa, quase pisando numa quentinha com feijão, farinha e galinha; um senhor sem os dentes da frente comia farofa e tive medo dele dar boa tarde e sair farinha para todos os cantos. Trombei com duas funcionárias públicas se queixando de ter encontrado quatro homens quase pelados no banheiro feminino. E brinquei:
- Se fossem Brad Pitt, Cauã, Kaká e Cristiano Ronaldo vocês se queixariam?
Elas não acharam a menor graça e para disfarçar o constrangimento entrei no banheiro dos homens e lá estavam dois caras juntinhos, tirando uma soneca que ninguém é de ferro. Voltei ao corredor e fui subindo as escadas e vendo uma moça costurando a barra de uma saia, um menino chupando sorvete e uma senhora grávida dizendo para um funcionário, na maior arrogância, que invadiu, tomou as salas e corredores porque tinha direito, pois “o governo é nosso”. Depois me disseram que era a líder da galera. Saí de fininho com medo de levar uma bronca.
No primeiro andar, depois de passar por cima de sacos, sacolas e colchonetes, entrei numa sala onde os funcionários dividiam o espaço com um grupo de sem-terra que batia papo e criticava o Flamengo por ter contratado Ronaldinho Gaúcho.
Nisso entra um senhor, bem idoso, se queixando no celular que ainda não haviam pago os “vinte paus” que tinham prometido. E, pelo jeito, perguntaram onde estava e ele disse que o chamaram, decidiu participar e invadiram o Incra. Nem sabia direito onde estava. Consertei: “Incra, não! Seagri”.
- Peraí que aqui tem um espião – disse o velhote quase gritando.
Foi a senha para eu me picar, me escafeder, me pirulitar do lugar. Foi bem na hora que aparecia para também invadir o prédio da Secretaria da Agricultura o Movimento dos Trabalhadores Desempregados. Não entendi nada e nem fiquei para entender. Desviei desta vez com destreza dos calçolões, califons, zorbas, meias e sambas-canção e sumi na estrada. Até esqueci de tirar foto. Sempre fui um péssimo repórter.
Entretanto fiquei com dó. Os invasores desta vez não tinham churrasco, nem sanitários químicos, muito menos barracas decentes e menos ainda TV para ver uma novelinha. Nada da mordomia que o MST tinha recebido do governo dias anteriores. Eram os primos pobres. Até o ar-condicionado do prédio mandaram desligar. Pelo menos as roupas do varal não ficarão com cheiro de mofo.