Opinião

A polarização ideológica

Na política, vemos cada lado lutar para ter razão, e não para solucionar os muitos problemas

Embora eu já houvesse pensado a respeito, a primeira vez que ouvi o termo “consenso mínimo” foi numa entrevista dada por Rodrigo Pimentel ao podcast do Brasil Paralelo.

Para quem não sabe, Pimentel é ex-capitão do BOPE/RJ e coautor do livro Elite da Tropa, que deu origem à célebre película Tropa de Elite, aquele mesmo que foi planejado para demonizar o policial, mas acabou entronizando o ícone Capitão Nascimento.

Em suma, Pimentel alertava que, no atual cenário político, os dois lados necessitam estabelecer agendas de convergência, sobre as quais ambos concordem.

O ex-capitão é um homem com vasta experiência no combate ao crime, mas também estudioso do tema, sendo, inclusive, pós-graduado em sociologia urbana. Ele tem como foco a criminalidade, mas resolvi estender um pouco o rol contemplando outros temas. Vamos a eles.

Criminalidade. Não pode haver dissenso sobre um tema que destrói qualquer progresso civilizatório no País.

A esquerda precisa introjetar princípios de punibilidade ao seu menu programático, soterrando de uma vez o antigo subterfúgio da vítima da sociedade e da coculpabilidade, que serviu de suporte para o já cansado garantismo penal, que hoje deixa escancarada a falência do combate ao crime.

Se a alegação muitas vezes é de superlotação carcerária, não há argumento capaz de evitar a construção de novos presídios como solução. E isso satisfaria os dois polos ideológicos.

Por seu turno, a direita necessita enfrentar com mais seriedade a questão dos direitos humanos, encampando também a pauta do cumprimento digno da pena, bem como da educação, que, embora não seja causa primordial da criminalidade, certamente para ela contribui.

Terrorismo. É inadmissível a relativização do terrorismo. Não há justificativa capaz de atenuar atos covardes contra inocentes e civis.

O que se vê atualmente em relação ao conflito Israel e Hamas é um exemplo do total absurdo que é tentar relativizar o genocídio até de mulheres e crianças com base numa pálida desculpa de conflitos entre países ou mesmo que um deles apenas está a defender-se.

Direita e esquerda, juntas, devem, em uníssono, repudiar qualquer ato dessa natureza, sob pena de assistirmos ao retorno da barbárie, como se um mal pudesse de algum modo justificar um mal maior.

Ambientalismo. Não deve haver divergência derredor da premissa de que o meio ambiente é fundamental para a vida no planeta. O excesso de um dos lados acaba tensionando o outro, que, como antídoto, responde de forma extrema em sentido contrário.

Admitir e conceber a relevância da preservação do meio ambiente não pode implicar a inviabilização do uso da terra. O progresso tecnológico tem mostrado isso: cada vez se produz mais em menores porções de terra e utilizando-se menos água.

A revolução agrícola, ocorrida há cerca de 12 mil anos, permitiu ao homem fixar-se na terra e desenvolver cidades, o que propiciou maior expectativa de vida.

A produção de alimentos diversificados é uma das maiores causas para a longevidade. Mas a qualidade da água dos mares, rios e lagos e do próprio ar também o são e devem ser preservados.

Ambos (preservação e agropecuária) são essenciais e a política deveria transigir sobre o aspecto da conciliação desses fatores.

Tributação. Direita e esquerda duelam também no quantum de impostos deve ser exigido do cidadão. Cada lado tem sua visão sobre o papel e o tamanho do Estado para a consecução da sua atividade, inclusive regulação econômica e até mesmo atuação no próprio mercado. Isso é um ponto.

Algo muito diferente é defender uma tributação escorchante a inviabilizar a própria atividade econômica de modo a até mesmo desencorajar o empreendedorismo.

Nisso peca a esquerda, a ponto de perceber o empresário como inimigo explorador.

Por seu turno, a direita precisa ser tolerante quanto à percepção de uma sociedade ainda miserável e necessitada de serviços básicos, financiados com tributos.

Mas se essa corda estica muito, incide a Curva de Laffer (relação inversa entre tributação e arrecadação)

Educação. Não é preciso gastar o latim aqui em defesa do ensino e da educação. A Coreia do Sul era um país com índices semelhantes aos nossos até início da década de 1990. O que mudou? Investimento em ensino e desenvolvimento tecnológico! O que faz o Brasil? Prioriza temas divisionistas e ideológicos, como raça, sexualidade e identidade de gênero.

Correntes ideológicas opostas deveriam concertar sobre o investimento no ensino do conteúdo científico e na formação de professores capazes dessa transmissão.

A direita precisa de uma dose maior de aceitação do ensino público como ainda necessário, ao passo que a esquerda deve abrir-se a possibilidades muito bem testadas em outros países, como o sistema de vouchers e o homeschooling.

Ninguém mais que os próprios pais pode desejar um ensino de qualidade para seus filhos; é legítimo que eles tenham o poder de escolha.

Corrupção. Se existe um tema sobre o qual não deveria haver discussão, este é a punição severa da corrupção. O que acontece no Brasil, entretanto, é uma lástima: cada lado ideológico trabalha para minimizar, esconder ou mesmo negar a gravidade dos atos corruptos dos políticos do seu lado. A política é um jogo e, como tal, tem suas regras.

A violação de uma regra equivale à vulneração do próprio jogo.

A corrupção deveria ser entendida como a mais grave das violações, cuja punição ensejaria a exclusão da vida pública. Um consenso mínimo sobre essa regra faria o País mudar de patamar civilizatório.

Infelizmente, caminhamos em sentido contrário, sobretudo com uma Constituição que parece ter sido cuidadosamente escrita para legitimar ilegalidades, como vemos com as regras de nomeação de desembargadores e ministros de todos os tribunais pelo Chefe do Poder Executivo.

Mas para o consenso mínimo é imprescindível que cada contraparte saia da sua caixa e lave seus rótulos. Vivemos um momento em que os polos se aferram à sua legenda e deixam de pensar com a própria cabeça, abraçando teses sobre as quais jamais estudaram a fundo.

Dos seis eixos elencados acima, dificilmente pessoas razoáveis irão discordar, mesmo com visões políticas opostas – basta que elas discutam despidas de suas etiquetas distintivas.

Na política, vemos cada lado lutar para ter razão, e não para solucionar os muitos problemas.

O grande desafio hoje, portanto, é fazer com que essa razoabilidade chegue aos nossos representantes, mudando o foco da política de pautas desagregadoras para pautas convergentes.

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Bernardo Guimarães C. Ribeiro é articulista e autor dos livros Nadando Contra a Corrente, Personalidade e Pertencimento e A Sombra da Verdade