Opinião

Renascer: a novela que tem força de transformação

Um dos aspectos mais louváveis da novela é a sua abordagem da reafricanização do culto aos orixás

A novela “Renascer" é escrita pelo autor Benedito Ruy Barbosa, e adaptada neste remake por seu neto Bruno Luperi, e é transmitida pela TV Globo. A trama da novela tem causado um impacto profundo e positivo na sociedade brasileira ao abordar com sensibilidade e profundidade temas culturais e religiosos de grande importância. Ambientada em um contexto rico em tradições e crenças, esta produção tem desempenhado um papel crucial na desmistificação do culto aos orixás, apresentando-os não apenas como elementos de uma religiosidade que sempre foi marginalizada, mas como pilares de uma cultura rica e complexa que merece respeito e compreensão.

Um dos aspectos mais louváveis da novela é a sua abordagem da reafricanização do culto aos orixás. Ao longo da história do Brasil, o sincretismo religioso foi uma estratégia de sobrevivência para os povos africanos escravizados, que foram forçados a disfarçar suas divindades sob a imagem de santos católicos. "Renascer" lança luz sobre este processo histórico, mas vai além, enfatizando a importância de reconectar essas práticas religiosas às suas raízes africanas. Ao fazer isso, a novela contribui para um diálogo mais amplo sobre identidade, pertencimento e resgate cultural, incentivando uma reflexão sobre a diversidade e a riqueza das tradições afro-brasileiras.

Além de sua abordagem do culto aos orixás, "Renascer" também se destaca por seu compromisso com a responsabilidade social. Ao incorporar questões como racismo, desigualdade e reconhecimento cultural em sua trama, a novela não só entretém, mas também educa e provoca uma necessária reflexão. Isso é feito de uma maneira que convida o público a questionar preconceitos arraigados e a celebrar a diversidade cultural do Brasil.

Recentemente uma das cenas da novela foi o momento em que Padre Santo, interpretado por Chico Dias, confessa por um erro do passado onde agiu com preconceito. A cena envolve ele vendo Inácia, interpretada por Edvana Carvalho, colhendo ervas e folhas, e macerando-as para o preparo de um banho sagrado. Nessa cena, Edvana, em uma performance surpreendente, certamente deixou cair muitas lágrimas nos olhos dos que assistiram, em especial, das pessoas que se sentem representadas pela afro-religiosidade, quando ela conta a todos que os Orixás são as forças da natureza, e vai enumerando as divindades e seus elementos primordiais da natureza.

"Por isso que cada orixá representa a força que emana de cada elemento. Oxalá é o ar, Iemanjá o mar, Iansã representa os vento, e os rio são de Oxum. As mata são de Oxossi, e as cachoêra é dos fio deles, Logun Edé. O metal é de Ogum, o vulcão de Xangô, o arco-íris de Oxumaré, a chuva de Ewá, a lama de Nanã. O tempo é de Iroco, o mais complexo dos orixás…”

Outra cena importante da trama é quando Inácia corrige o Padre Santo por usar a palavra escravo, ao invés de escravizado, realçando o profundo papel de letramento racial presente na novela, em especial personificadas através da personagem Inácia.

"Digo isso porque uma pessoa pode até sê escravizada pela ôtra, mais escrava ela num é!"

O sucesso e a relevância de "Renascer" residem em sua capacidade de abrir caminhos para o entendimento e a valorização das culturas afro-brasileiras de uma maneira autêntica e respeitosa. Ao fazê-lo, a novela não só enriquece o cenário cultural brasileiro, mas também desempenha um papel vital na promoção da inclusão e do respeito mútuo entre diferentes comunidades.

Portanto,”Renascer" é uma obra que transcende o entretenimento, tornando-se um instrumento de transformação social. Ao abordar temas complexos com sensibilidade e profundidade, a novela convida o público a uma jornada de descoberta e reflexão sobre a riqueza cultural do Brasil e a importância de reconhecer e valorizar suas diversas tradições religiosas e culturais.

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Bàbá Vitor Ifasola é doutorando em Estudos Africanos