Opinião

As notas vermelhas do Brasil

Apenas 1% dos estudantes no Brasil conseguiram os níveis 5 ou 6, considerados os mais altos

Analfabetismo não é doença. É forçoso explicar certas obviedades, mas isto também faz parte do processo educativo.

No ambiente escolar, uma nota vermelha significa somente que que um(a) discente não absorveu o conteúdo, e que isto pode significar dificuldades de aprendizado.

No entanto, há uma simbologia associada a esta tentativa de quantificar a performance escolar. Por exemplo, notas vermelhas em matemática podem vincular a algo marcante na vida de qualquer cidadã(o), e ser quase decisivo numa escolha de carreira profissional.

Após o carnaval, justamente no início das aulas deste ano, o governo estadual vem defendendo uma portaria, a de número 190/2024, lançada em fins de janeiro, e que contém inconsistências. Em alguns dos artigos pode-se depreender uma aprovação automática, conforme observado pelo sindicato da categoria. Declarações do governante em exercício reforçaram a impressão de que realmente se visa tal incentivo, evitando reprovações – o que é preocupante. E boa parte destas envolve discentes com dificuldades em matemática, algo que não causa surpresa, infelizmente.

Lamentavelmente, menos da metade dos(as) alunos(as) conseguiram nível mínimo de aprendizado em matemática e ciências, conforme relatório 2022 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vinculados ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), cujo foco foi em matemática. De acordo com tal levantamento, 27% dos alunos brasileiros (adolescentes) alcançaram o nível 2 de proficiência em matemática, considerado o patamar mínimo de aprendizado, enquanto que a média dos países da OCDE na disciplina é 69%.

O Brasil está literalmente com notas vermelhas. Apenas 1% dos estudantes no Brasil conseguiram os níveis 5 ou 6, considerados os mais altos, quando os alunos resolvem problemas complexos, comparam e avaliam estratégias. Dos 81 países e economias participantes do Pisa 2022, somente em 16 destes, mais de 10% dos alunos atingiram o nível 5 ou 6. Dito de outra forma, o país está entre os dezessete últimos, sendo que há dez anos estávamos entre os dez últimos. Os destaques nos primeiros lugares são Singapura, China, Japão e Coréia do Sul.

Particularmente entre os discentes de baixa renda, apenas 3% demonstraram ter conhecimento básico em matemática como resolver problemas simples com frações, porcentagem e números decimais. Isto significa que o nível socioeconômico continua a determinar a aprendizagem, e que somente ações educacionais enérgicas do estado poderiam reverter, ao menos minimizando tal impacto, severamente agravado durante a pandemia da Covid 19.

Ações de pequeno porte vem sendo feitas em alguns estados do nordeste, como no Ceará, mas ainda não há notícias de algo venha a ser feito pela Bahia, embora sejam celebrados vinte anos de administrações com cunhos de esquerda – a princípio, de caráter social e, ressalte-se, identificados pela cor vermelha...

Além de tudo, a carreira do magistério não é atrativa pelas enormes dificuldades e péssimas condições de trabalho. Para piorar este panorama, os poucos profissionais formados em matemática vêm sendo disputados por grandes companhias e empresas, pois muitas das técnicas de inteligência artificial são aplicações de diversos teoremas matemáticos. Os salários chegam a ser cinco, dez, ou mesmo vinte vezes superiores ao que se paga a um licenciado na área.

Tais números são catastróficos, pois impactam diretamente em diversas atividades do país, especialmente naquelas com relação direta na economia. É sabido que a matemática contribui para o PIB em países como Inglaterra, França e EUA, e vinculada a setores tecnologicamente avançados. A engenharia corresponde a quase 40% dos empregos que usam de matemática no mundo, ao passo que no Brasil o percentual é de 12%.

O futuro traz preocupações, mas também oportunidades. É necessário e urgente tratar de implementar ações e boas práticas, sobretudo políticas. É hora de arregaçar as mangas e trabalhar, evitando o analfabetismo, incluindo o de matemática, e suas múltiplas nuances com estratégias de ensino inteligentes, tirando a Bahia e o Brasil desta situação desastrosa. O sinal está vermelho, mas a nota pode melhorar, e mudar de cor.

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Marcio Luis Ferreira Nascimento | Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro do Instituto Politécnico da Bahia