A aproximação do governo Lula com o Centrão tem despertado reações destoantes entre aliados do Executivo e membros da oposição. Um lado trata a negociação por cargos na Esplanada como algo natural, que "faz parte do jogo democrático". O outro repudia a oferta de cargos e emendas do Planalto em troca de apoio no Congresso, o chamado "toma lá, dá cá".
Ao Brasil 61, o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), um dos vice-líderes do partido de oposição ao governo na Câmara, classifica como "lamentável" o estreitamento dos laços entre o Executivo e os partidos de centro.
"Isso caracteriza o 'toma lá, dá cá' e eu fico triste quando vejo parlamentares se trocarem por emendas e deixando os seus ideais de lado para poder ser contemplados com emendas ou com ministério", afirma.
O parlamentar se refere, por exemplo, à liberação de emendas do governo aos parlamentares às vésperas de votações importantes, como a que antecedeu a aprovação da reforma tributária na Câmara, quando o governo liberou R$ 5,3 bilhões.
Fraga diz que a população elegeu um Congresso conservador, "de direita", mas que parlamentares que forem eleitos com essa bandeira acabam apoiando um governo de esquerda.
Partido de Fraga, o PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem 99 deputados na Câmara, mas já viu alguns de seus integrantes votarem com o governo Lula em matérias importantes. Vinte deles disseram "sim" ao texto da reforma tributária, por exemplo.
Já o deputado federal Hélder Salomão (PT-MG), que é um dos líderes do PT na Câmara, trata com normalidade a aproximação do governo com as legendas de centro.
“Não [é moeda de troca]. É natural que o governo dialogue com os partidos. O governo garante espaços para os partidos que estão efetivamente na base, considerando critérios técnicos e políticos, mas isso faz parte da construção da governabilidade no Brasil e no mundo, então não vejo que tenha nada que fuja àquilo que é um processo natural na construção de apoio de um governo no Congresso Nacional”, avalia.
Ele diz que o governo precisa ter capacidade para conversar com as bancadas representadas no Congresso Nacional e buscar uma composição que dê condições ao Executivo de aprovar medidas “necessárias ao Brasil”.
Para Salomão, parte do apoio que o governo teve até mesmo da oposição em algumas propostas aprovadas no primeiro semestre se deve ao caráter “não-ideológico” desses projetos.
“A reforma tributária é estratégica para o Brasil voltar a crescer, gerar empregos e fazer justiça tributária, então nós tivemos votos da esquerda, do centro e da direita ao projeto e isso demonstrou que a pauta não é uma pauta ideológica e muito menos pauta de governo. É uma pauta do país”, disse.
Negociações
A busca por uma base sólida no Congresso Nacional levou o governo a abrir negociações com alguns partidos de centro. Em troca de ministérios com orçamentos significativos para essas siglas, o Executivo espera apoio nas pautas da agenda econômica, como o arcabouço fiscal, que voltou à Câmara após modificações no Senado.
Como o Brasil 61 mostrou, os ministério de Portos e Aeroportos, Desenvolvimento Social e Ciência e Tecnologia podem ser comandados pelo Republicanos e pelo PP.
Dança das cadeiras
O deputado federal Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE) está próximo de assumir o Ministério de Portos e Aeroportos do governo Lula. André Fufuca (PP-MA), líder do PP na Câmara, é o nome escolhido pela sigla de Arthur Lira para chefiar o Ministério do Desenvolvimento Social ou a pasta de Ciência e Tecnologia, apurou a reportagem do Brasil 61.
As negociações entre os partidos de centro e o Planalto por um espaço na Esplanada dos Ministérios se arrastam há algum tempo. Havia a expectativa de que Lula formalizasse as trocas no primeiro escalão do governo nesta última semana, mas a minirreforma ministerial ficou para depois da viagem do petista a Joanesburgo, onde ele vai participar de encontro do BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A troca de Márcio França, hoje ministro de Portos e Aeroportos, por Silvio Costa Filho, é aquela que está mais avançada. Ao Brasil 61, uma fonte de dentro do Congresso Nacional disse que "há sinalizações claras em relação ao convite [do governo] para esse ministério", mas que certeza mesmo só haverá com a publicação no Diário Oficial da União.
A efetivação traria o Republicanos para dentro do governo. O partido conta com 41 deputados e é a sétima maior bancada da Câmara, atrás de PL, PT, União, PP, MDB e PSD.
Já o PP e o governo tentam encontrar um meio termo nas conversas. O partido de Lira quer uma pasta de relevância na Esplanada e mira o Ministério de Desenvolvimento Social que, entre outras coisas, é responsável pelo Bolsa Família.
O Executivo, no entanto, reluta em entregar ao Centrão o programa que é uma de suas marcas. O Planalto avalia, inclusive, trocar o Bolsa Família de endereço e entregá-lo aos cuidados de outro ministério.
O PP já indicou o nome do deputado André Fufuca para o Desenvolvimento Social, mas há a possibilidade de ele acabar ficando com o Ministério de Ciência e Tecnologia, outra pasta em jogo.
A bancada do PP conta com 49 deputados. É a terceira maior da Câmara dos Deputados.
Segundo o professor Lúcio Remuzat Rennó Júnior, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o governo Lula ainda não teve, nesse terceiro mandato, uma coalizão sólida na Câmara. Por isso, ele diz que era esperado que o Executivo se aproximasse dos partidos de centro para ampliar a base de apoio.
A aproximação do governo com o PP e o Republicanos — siglas que abrigam adversários políticos de Lula, como o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e aliado do ex-presidente Bolsonaro, e o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, — é possível porque esses partidos não têm forte apelo ideológico, diz Remuzat. São "camaleões" que já fizeram parte da base de governos de diferentes espectros políticos.
"São partidos diversos internamente. Abrigam desde o bolsonarista até o lulista. Esses partidos do que a gente chama de Centrão não são partidos ideológicos. Eles são partidos pragmáticos e que dependem muito do acesso aos recursos de poder que o Executivo tem. Por isso que é importante para esses partidos terem controle de ministérios que tenham orçamentos e que afetem as políticas públicas que dizem respeito às suas bases eleitorais. Tem nenhuma surpresa ali", avalia.