O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o aumento das invasões de terras no Brasil (CPI do MST), deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) declarou na terça-feira (8) que “está cada vez mais claro” que as invasões de propriedades no Brasil são uma verdadeira indústria: “A indústria da invasão de terras beneficia os líderes desses movimentos, que ganham dinheiro e força política, manipulando pessoas muito humildes que são usadas como massa de manobra nesses movimentos de invasão de propriedade”, afirmou.
A CPI do MST foi aberta este ano, e ganhou força por causa do grande aumento das invasões de propriedades rurais registradas em 2023. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), só entre janeiro e julho deste ano, um total de 60 imóveis rurais já foram invadidos, em diversas regiões do país — número superior ao total de invasões realizadas em cada um dos últimos sete anos.
Conforme revela a CNA, nos dois anos do então presidente Michel Temer (MDB) só foram registradas 25 invasões. Nos quatro anos de Bolsonaro, foram 62 — uma média de 15 invasões por ano, número muito menor que as 60 ações de movimentos sem-terra registradas apenas neste ano, até agora.
De acordo com Salles, três depoimentos realizados na CPI do MST nos últimos dias contribuíram de maneira efetiva para demonstrar a existência de uma “indústria da invasão” de propriedades rurais no país. A comissão ouviu José Rainha, ex-líder do MST que criou uma dissidência chamada FNL (Frente Nacional de Luta); o general Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do atual governo; e o secretário de Segurança Pública de São Paulo, capitão Guilherme Derrite.
Derrite investigou as invasões feitas pela FNL no Pontal do Panamapanema. Quanto ao ex-chefe do GSI, os parlamentares solicitaram que o ex-ministro falasse sobre as ações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no monitoramento das atividades de invasões de terra no país. O órgão esteve subordinado ao general, quando ele estava no governo.
“Movimento social, político ou negócio”
Os depoimentos na CPI do MST demonstraram, segundo o relator, que as invasões de terra no Brasil são apenas um negócio. “Em vez de movimento social, está claro que os líderes usam as invasões para ganhar dinheiro e força política”, diferenciou.
“A FNL faz invasões em São Paulo, Mato Grosso e outros estados do Brasil e o senhor José Rainha tentou convencer as pessoas de que não se trata de invasão de propriedade, de problema para o agronegócio, mas supostamente seria só um movimento social”, afirmou Ricardo Salles. “Não é isso o que nós temos visto, ao longo dos trabalhos da CPI”.
José Rainha é acusado de chantagear fazendeiros da região do Pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo. Conforme as acusações, ele ofereceria a retirada de pessoas das propriedades invadidas em troca de dinheiro.
Durante os questionamentos, Rainha tentou negar ter feito campanha política para a eleição da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) nas eleições de 2018 e voltou atrás, depois de confrontado com um vídeo exposto pelo relator.
No material, ele agradece os votos supostamente dos acampados à parlamentar. “Eu vou refazer a pergunta, para não fazer falso testemunho. Pode ficar calado, mas mentir não pode. Ou fica quieto ou fala a verdade – o senhor sabe quais são as consequências”, afirmou Salles ao depoente, que acabou admitindo ter usado o acampamento para fazer campanha para a parlamentar do PSOL, que integra a base governista no Congresso Nacional.
Outro lado
O representante da FNL se defendeu, alegando que o movimento só invade propriedades rurais públicas que já estariam invadidas anteriormente por fazendeiros, cujas ocupações também seriam irregulares.
Questionado diversas vezes sobre qual é o tipo de relação que mantém com Sâmia, cujos folhetos de campanha eleitoral foram encontrados em um dos acampamentos do grupo, Rainha esquivou-se: “Eu mantenho com ela e com outros parlamentares apenas uma relação fraterna, nada mais do que isso”, afirmou o representante da FNL.
Quanto ao fato mencionado por parlamentares da oposição, de que sua ex-esposa é funcionária no gabinete da deputada do PSOL, Rainha garantiu não ter feito nenhuma ingerência pela contratação dela.
Denúncia de prevaricação
Para Ricardo Salles, a CPI deve denunciar o ex-ministro do GSI, Gonçalves Dias, por suposta prevaricação. O general falou aos membros da Comissão que não viu os relatórios de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que estava subordinado a ele no Ministério, que seriam elaborados sobre as atividades do MST e encaminhados ao ministro do GSI antes de serem remetidos ao Presidente da República.
“O general Gonçalves Dias era o responsável justamente pelo GSI do presidente Lula — a quem a Abin estava subordinada até março”, declarou Salles. Segundo ele, G. Dias (como é conhecido o ex-ministro do GSI) “disse que nada sabia, nada viu e, portanto, nada fez”.
“Evidentemente ou está mentindo ou é muito incompetente. O fato é que isto vai gerar, sim, uma denúncia da CPI contra ele, por prevaricação, por que ignorar os fatos não é motivo para uma autoridade simplesmente dizer que não sabia — e, portanto, não fez nada”, adiantou.
“Depois de março, a competência de acompanhar os relatórios da Abin passou a ser do chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa”, lembrou o relator, informando que “o ex-governador da Bahia deve vir à CPI na semana que vem”.
De acordo com Ricardo Salles, todas as informações da CPI, todos os depoimentos inclusive do secretário de Segurança Pública de SP, deputado Guilherme Derrite (PL-SP), “contribuem para cada vez mais ficar claro que as invasões de propriedades no Brasil são uma verdadeira indústria”.
“Essa indústria de invasão de terras beneficia os líderes desses movimentos, que ganham dinheiro e força política utilizando e manipulando pessoas muito humildes, que são usadas como massa de manobra nesses movimentos de invasão de propriedade”, concluiu o relator.
A recente invasão do MST, em 1º de agosto, a uma fazenda da Embrapa, em Petrolina (PE), influenciou a CPI a aprovar a convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ele foi governador da Bahia por 8 anos seguidos e é ligado ao atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT). No entanto, nesta quarta-feira (9), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cancelou a convocação em atendimento ao recurso apresentado pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP).
Na decisão, Lira alegou que “não se demonstrou no requerimento a conexão entre as atribuições do ministro e as invasões" — embora, no requerimento, o relator Ricardo Salles tenha mencionado que a Abin está hierarquicamente subordinada à Casa Civil, comandada por Costa.
Rui Costa é um dos auxiliares mais próximos de Lula. Os requerimentos de convocação são de presença obrigatória. Lira, entretanto, mencionou em sua decisão que ministros de Estado só podem ser convocados para prestar informações “quando há correlação entre o campo temático do Ministério e o conteúdo substancial das atribuições do órgão convocador”.
A proposta de convocação de Rui Costa já havia sido apresentada outras vezes, mas fora retirada de pauta em acordo da oposição com deputados governistas, que não veem com bons olhos a convocação do ministro porque ele não possui boa relação com os líderes do MST.