Em maio, mês efervescente da ópera no Theatro Municipal, será realizada a primeira Ópera Fora da Caixa do ano na casa. O projeto, que tem como objetivo trazer as récitas para espaços distintos do palco principal, convidando os espectadores a novas vivências desse tipo de obra, realiza quatro apresentações de Blue Monday e Afluentes, de George Gershwin, a partir do dia 15 de maio, com direção cênica de Fernanda Vianna (Grupo Galpão).
A obra, que terá entre o elenco o Coral Paulistano e o Balé da Cidade de São Paulo, conta ainda com Maíra Ferreira na direção musical, Simone Mina na direção de arte, Clarice Lima na coreografia, Piero Schlochauer como assistente de direção e Caetano Gotardo como assistente de dramaturgia.O espetáculo tem duração de 50 minutos e ingressos custando R$ 50 (inteira).
Nome original da "ópera-jazz" de um ato de George Gershwin, Blue Monday foi renomeada como 135th Street durante uma produção posterior. Com libreto em inglês escrito por Buddy DeSylva, a ópera precede em 13 anos o sucesso da conhecida ópera negra Porgy and Bess do compositor norte-americano que se consagrou como o responsável por uma fusão inédita entre o estilo clássico e a influência da música popular, combinação que se tornou marca registrada de sua composição e que resultou em um precioso legado para a música do século 20.
Blue Monday é a primeira grande experiência cênica de George Gershwin, que antecipa ‘Porgy and Bess’ ainda num formato de teatro musical que estava sendo muito difundido na Broadway. Esse espetáculo foi a primeira realização profissional grande do autor, então tem uma importância gigante, com um reflexo na sua obra musical, especialmente nessa obra cênica seguinte”, afirma Livio Tragtenberg, membro do comitê curatorial que define a programação do Theatro e um dos responsáveis por eleger a encenação da obra.
Na história, um enredo de amor, ódio, paixão, ciúmes e vingança. Joe, um apostador, quer usar os prêmios de suas apostas para visitar sua mãe, mas não conta a sua namorada, Vi, preocupado que ela o acusasse de viajar para encontrar uma amante. Enquanto isso, um cantor de cabaré faz uma investida em Vi e então começa uma trama de provocação, arrependimento e tragédia.
“Blue Monday e seus Afluentes foi uma oportunidade incrível de mergulhar nessa época maravilhosa que foram os anos 20 do século passado, também chamados de ‘anos loucos’ na França, foi a época do Cabaré na Alemanha, do Modernismo no Brasil e da era do jazz nos Estados Unidos. Gershwin foi um dos primeiros a mesclar a cultura do jazz com a cultura erudita. Foi uma época de transformação no mundo inteiro, com muita transgressão e afirmação de mulheres e negros.
E foi baseado nisso que criamos nosso repertório. Na primeira parte a gente cria um ambiente de café jazz, trazendo toda essa alegria vanguardista que veio desses cafés, até chegar à ópera. É um espetáculo para festejar a alegria, a liberdade, a transgressão e a resiliência da arte e da cultura”, explica a diretora Fernanda Vianna.
A ópera tem duração de 25 minutos e será precedida por spirituals, obras do próprio Gershwin e outras de Cole Porter, um prólogo que ambienta a história que, desde as primeiras cenas apresentadas ainda na entrada do espectador no teatro, pretende focar no cotidiano dos anos 1920. A ambiência toda remete ao ambiente de efervescência cultural afro-americana do Harlem, que vivia a época de seu renascimento.
O Harlem Renaissance (Renascimento do Harlem) foi um movimento cultural que se estendeu durante toda a segunda década do século XX e chegou a ser nomeado como “New Black Movement" (Novo Movimento Negro), em homenagem à antologia de 1925 do professor, filósofo e escritor norte-americano Alain Locke, “The New Negro: An Interpretation”. O movimento foi uma explosão artística que unia cultura, arte e religião negras de uma forma nunca antes vista.
Para reconstituir esse universo efervescente e ligado à vida ordinária, o Salão Nobre do Theatro Municipal será transformado em uma espécie de cabaré, um ambiente em que os 40 cantores do Coral Paulistano, 10 bailarinos e 3 solistas irão interpretar essa pérola do cancioneiro mas, também, retratar os “Laughers” (Gargalhadores, em tradução livre) de que fala o poema do ativista e escritor norte-americano Laughston Hughes em um poema que inspira a montagem. Hughes terá seu poema em formato de canção apresentado logo na abertura da récita. As apresentações acontecem entre 15 e 24 de maio.
"Essa ópera Fora da Caixa tem muito a ver com o Coral Paulistano, que surgiu na primeira metade do século passado e valorizava muito a música feita naquele momento. A questão da representatividade é fundamental para gente, tendo solistas negros do coral e o Jean William como convidado. Esse é um ponto fundamental para essa história ser contada. Como é uma ópera curta sem tanto coro, tivemos a ideia de chamar de 'Blue Monday e Seus Afluentes'. É um café em que a ação acontece e no qual tantas pessoas chegam, como os negros trazidos para a América à força, e ali elas mostram quem elas são, trazem saudades, melancolias, angústias, alegrias, vontade de não seguir padrões. Depois de introduzidos e de terem cantado alguns Spirituals e uma peça de Cole Porter que diz 'Let's Misbehave' (vamos não nos comportar), saem os personagens da ópera”, conta Maíra Ferreira, regente do Coral Paulistano. “O Coral está super entusiasmado.
Escolhemos a formação para trio de jazz com Vitor Arantes ao piano, Vanessa Ferreira no contrabaixo e Fernando Amaro na bateria que estão juntos ao Balé da Cidade e ao Coral Paulistano, que tem aí uma perspectiva de se permitir ousar no uso da voz também. Me sinto muito privilegiada em conduzir essa união musicalmente e vamos viver uma experiência muito diferente do que a que o Theatro Municipal já viveu, de imersão no lugar, frequentando o espaço em que a apresentação acontecerá", afirma Maíra Ferreira, regente do Coral.
Nele, Hughes, que foi um dos líderes desse movimento conhecido como “Harlem Renaissance”, nomeia os personagens que passam pelo bairro e, consequentemente, pela montagem: “Cantores de sonhos, Contadores de histórias, Dançarinos, Gargalhadores barulhentos nas mãos do Destino - Minha gente. Lavadores de pratos, Ascensoristas, Criadas de madames, Trapaceiros, Cozinheiros, Garçons, Jazzistas, Babás de crianças, Carregadores de navios, Jogadores de cartas, Anotadores de apostas, Comediantes de vaudeville E homens-banda em circos - Todos cantores de sonhos, - Minha gente. Todos contadores de histórias, - Minha gente (...)”.