Cinema

Confira a resenha de Bruno Passos sobre o filme Melancolia

Do roteirista e diretor Lars Von Trier

Foto: Divulgação
Melancolia

Eu tenho um medo recorrente, ficar louco, perder a sanidade, de me tornar incapaz de domar a minha mente e não ser capaz de cuidar de mim e dos que dependem de mim, sinto isso pela complexidade e fragilidade da mente humana. Ver esse medo refletido e interpretado de tantas formas diferentes na tela do cinema me ajuda a entender esses pensamentos... ou então me empurram mais um pouco para esse precipício, não sei dizer, meu terapeuta que lute. Mas é certo que o estudo da mente resulta em muitos filmes incríveis, que podem servir para ajudar a enxergar o que uma pessoa passa ao enfrentar uma doença assim ou são apenas peças de entretenimento baseados no tema. Separei alguns desses exemplos para reflexão.

“Melancolia”, do roteirista e diretor Lars Von Trier, aborda a relação de duas irmãs dentro de contextos distintos. Inicialmente no casamento de Claire (Charlotte Gainsbourg), onde Justine (Kirsten Dunst) apresenta sinais fortes de depressão e num outro momento vemos a dinâmica dessa família diante de uma ameaça catastrófica: Um planeta fictício (Melancolia) vai se chocar com a Terra (!!!). Lars Von Trier, ele mesmo, já deve ter algum distúrbio naquela cabeça, basta ver os filmes que dirigiu: “Anticristo”, “Ninfomaníaca” (disponível na Netflix) e o que eu acho o mais casca grossa de todos, “A Casa que Jack Construiu” (disponível no Telecine / Globoplay). Isso só para citar alguns. Em "Melancolia” ele explora um conceito intrigante: Num cenário onde todos estão desesperados e à beira da loucura, como se sentiriam aqueles que já viviam com algum transtorno mental e com o desejo de mudar a própria realidade?

Em “Bicho de Sete Cabeças” (disponível na Netflix), dirigido por Laís Bodanzky e escrito por Luiz Bolognesi, acompanhamos a descida de Neto (Rodrigo Santoro, impecável) ao inferno, quando é internado contra a sua vontade em um hospital psiquiátrico porque o pai achava que assim “curaria” o vício do filho em maconha. A história é baseada no livro autobiográfico “Canto dos Malditos”, de Austregésilo Carrano Bueno e mostra um jovem saudável que vai perdendo à sanidade ao ser obrigado a conviver com a loucura e as práticas abusivas do local.

Impossível assistir Bicho de Sete Cabeças e não lembrar do clássico, igualmente espetacular, “Um estranho no Ninho”. Jack Nicholson interpreta Randle (papel que lhe rendeu o primeiro Óscar em 1976), um prisioneiro que tem a “brilhante” ideia de simular insanidade para não ir para a cadeia e sim para uma instituição de doentes mentais, sem saber que lá encontraria o capeta em forma de enfermeira (Louise Fletcher, que encabeça quase todas as listas de maiores vilões do cinema).

Temos muitos outros exemplos: O mesmo Jack Nicholson já perdeu a cabeça em “O Iluminado" (HBO Max) menos por estar num hotel amaldiçoado e mais por ter sido vítima da “Síndrome da Cabana” (numa explicação bem rasteira, um distúrbio psicológico que afeta o

emocional de quem está em isolamento); “As Vantagens de Ser Invisível”(Netflix) explora as consequências de traumas no convívio social; “Donnie Darko” (Prime Vídeo) explora a depressão de um jeito surreal; O novo “Coringa” (HBO Max) apresenta um “Afeto Pseudobulbar”, manifestando risadas incontroláveis, mas esse parece ser o menor dos problemas desse personagem; “Clube da Luta”(HBO Max) discute capitalismo, consumismo e outras milhões de coisas com o seu personagem sofrendo de depressão, ansiedade e outros distúrbios.

Na minha opinião, nenhum exemplo é mais impressionante que “Meu Pai” (disponível no Paramount Plus), filme espetacular que deu à Anthony Hopkins o Óscar de melhor ator em 2021, aos 83 anos, fazendo dele o ator mais velho a levar o prêmio. O que mais impressiona nessa produção é a capacidade de nos colocar na perspectiva, e nas sensações, de alguém que está enfrentando um grave problema de saúde mental.

Dirigido por Florian Zeller, que também roteirizou e ganhou um Óscar por isso, “Meu Pai” tem na edição o grande mérito em causar esse efeito angustiante. A montagem desse filme chega a ser cruel, justamente como a doença que o protagonista enfrenta... sem saber, e é assim que nos sentimos também. Aqui não tem nenhum personagem que nos explique o que está acontecendo, nenhuma cena expositiva na qual um médico explique como a doença age.

O que acontece aqui é uma imersão na mente de um homem idoso, que acredita veementemente na sua sanidade mental, a ponto de se questionar o que são aqueles fatos desconexos que acontecem ao seu redor, como por exemplo uma mulher que ele nunca viu antes afirmar que é sua filha ou entrar no seu quarto e tentar descobrir quem mudou os móveis de lugar. Uma experiência “sensorial” que nos faz refletir sobre a nossa fragilidade, finitude e da inexorabilidade do tempo.