Cassiano Antico

Com quem estou aprendendo o que é amor e sobre a vida


Foto: Pixabay/Creative Commons

 
Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam
-- Clarice Lispector

O pensamento que embasa o meu olhar sobre os seres humanos: as crianças. Meu guru não dá palestras; ele é banguela, fala errado, mas tem as mãos quentes e ri sem motivo.

Fui buscar minhas minhas filhas na escola. Dodó quando me viu saiu em disparada na minha direção. Caí sobre meus joelhos para ficar na altura de minha filha de 5 anos.

Fazendo um parêntese, eu sofro com o exército de pessoas que perde sua identidade dentro desta grande fábrica de monstros que é o nosso mundo, onde cada vez mais existe apenas enquanto metas, "produtividade", metros, cifras, covas, números, números, números. Não escapa um, desde o vagabundo ao trabalhador desgraçado que acaba sendo levado à morte pela insensibilidade e ambição  do jogo sujo.

Lembrei-me da primeira vez que me passaram pra trás e eu fingi que não foi comigo. Como senti vergonha. Existem nas recordações de todos nós coisas que só revelamos aos amigos. Existem outras que não revelamos nem mesmo aos amigos, mas apenas a nós mesmos, e ainda assim, em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que temos medo de desvendar até para nós mesmos. 

É que, no nosso mundo, pessoas, criaturas debaixo do sol vivem de pose, panca, mentira, de vaidade! Mas as crianças ainda possuem coração.

Quis mostrar algumas coisas que tinha levado para minhas filhas, surpresas, coisas que elas gostam, mas Isadora não quis ver "coisa" nenhuma, não deu a mínima pras "coisas", estava com saudades do pai, só disse: "brinca comigo, pai!" - me puxando pela mão quentinha. Eu a levantei até que ela alcançasse o ponto mais alto de um brinquedo (do colégio).

Atrás dela muitas estrelas a iluminavam, seu sorriso parecia um pequeno sol. Aí ela pulou na minha direção com os braços abertos e carregando em cada parte de seu pequeno corpo toda alegria do mundo. Eu a abracei apertado. Em seguida, chegou Valentina.

Fomos caminhando pra casa. Montei castelos de madeira com minhas filhas. Meu castelo ficou esquisito. Elas riram e me incentivaram e disseram que o meu era um castelo voador. Rimos muito. Brincamos, jantamos, comemos pipoca, elas pularam na cama, pularam em mim, fui o lobo, o urso. Dormiram abraçadas a mim, no meu peito. Seus rostos, semblantes, transmitiam uma serenidade que me lembro de ter sentido em algum momento de minha vida. A mais perfeita oração: duas crianças. Velei o sono de minhas filhas. Me senti honrado e estranhamente humano por isso.

A frieza e a leviandade não faziam parte do nosso pequeno mundo.  A desumanização, que é a maior angústia da obra de Dickens e o tema de "Tempos difíceis", não maculou nosso espaço. 

Não tenho a intenção de fazer uma crítica ácida, doce, embasada ou superficial. E nem social! Nada disso. Aliás, quem sou eu para criticar algo ou alguém! Eu tenho muitas dúvidas. Estou aprendendo com gente "pequena", frágil e banguela. Queria mostrar ao mundo o que vi e o que senti. O poder curativo do amor. Mas isso é impossível. Amor não se escreve. Amor a gente sente. E não sabe o que dizer quando ele nos toca. 

Como escreveu o gigante poeta português:

 
Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo. E leva-me para dentro da tua casa. E deita-me na tua cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer. E dá-me os sonhos teus para eu brincar
-- Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa