Nordeste

Sinônimo de vida e riqueza no Nordeste, carnaúba é celebrada

A carnaúba é celebrada como árvore da vida

Foto: Sheila Oliveira
Carnaubal em Beberibe, no Litoral Leste do Ceará
Carnaubal em Beberibe, no Litoral Leste do Ceará

Na língua Tupi, carnaúba significa “árvore que arranha” pela camada espinhosa na parte mais baixa do tronco, uma provável defesa evolutiva. Também é conhecida como “árvore da vida” por seus inúmeros usos pelo ser humano. Nativa do Nordeste, é símbolo dos estados do Ceará e do Piauí.

Por todos os seus atributos, tem um significativo papel na história, ao perpassar o desenvolvimento científico, a economia, a arte e e a cultura nordestina. Isso não significa um percurso fácil. Tem sofrido com o desmatamento, com a voracidade da espécie exótica invasora unha-do-diabo e, na cadeia do seu principal produto, a cera, ainda precisa vencer algumas questões sociais.

Suas cores e texturas, além das etapas da cadeia produtiva, foram captadas pelo olhar sensível e talentoso da fotógrafa Sheila Oliveira, no livro: “Carnaúba: a árvore que arranha”, publicado em 2004. O desejo de reencontrar com sua cultura, seus costumes e tradições, depois de uma década longe da terra natal, foram estímulos para a realização do projeto.

Sheila, que cedeu fotos do livro para ilustrar esta matéria, ressalta: “em uma de minhas caminhadas fotográficas pelo interior do Ceará, me deparei, em Jaguaruana, com uma região de carnaubais onde se iniciava a poda da carnaúba”.

E prossegue: “no início, foi um encantamento, uma vista de imensidão. Estas primeiras imagens já me despertaram uma enorme motivação de conhecer e registrar todo o mundo natural e humano envolvido com esta bela árvore. Foi diante da beleza das imagens e da vontade de lutar pelo desenvolvimento desta cultura e pela preservação dos carnaubais que resolvi partir para a publicação do livro onde a carnaúba extrapola o cartão-postal ou o conceito de árvore-símbolo, se impregna de uma sinceridade e se entranha em nossas vidas. E é em nome dessa vida que dedico esse trabalho e todo esforço que possamos fazer para a preservação da carnaúba e de tudo que vive por meio dela”.

Vale destacar que o texto do saudoso professor Gilmar de Carvalho, levado abruptamente pela Covid-19 em abril deste 2021, se mescla às imagens de Sheila Oliveira nas páginas do livro:

“Prevalece a visão do esplendor, nossa ideia de um paraíso (utopia de lugar) e possibilidade de sonho.
A lente faz uma longa viagem, sem se deter no horizonte que se dilata. Antes, podíamos falar que era um perder de vista.
Agora, as carnaubeiras são menos presentes, mas, de repente, somos surpreendidos por um grande campo geral, onde elas abrem e revolvem suas palmas, como os abanos que serão feitos quando estiverem secas”

Árvore da vida? Árvore e vida.”

 

Potencial terapêutico

Para além da poesia, a carnaúba é matéria-prima. O pó da carnaúba, com muitos usos na indústria, segue tendo as suas possibilidades de aplicação estudadas. Segundo a pesquisadora Maria Izabel Florindo Guedes, coordenadora do Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular (LBBM), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), “Em testes iniciados há mais de uma década, é deste pó que é extraído o PCO-C que se destaca pelo alto potencial antioxidante e anti-inflamatório”.

A equipe de estudo destaca o potencial terapêutico no controle do colesterol e possível contribuição na redução de problemas cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC), complicações de saúde das que mais matam no Brasil e no mundo. A pesquisadora Paula Alves Salmito Rodrigues, uma das cientistas envolvida nos estudos, afirma que se interessou por ser nutricionista de formação e saber que uma planta nativa do Nordeste poderia ser utilizada para o tratamento de doenças crônicas que afetam uma parcela significativa da população brasileira.

Ela informa que o PCO-C pode ser usado para a redução de processos inflamatórios em algumas patologias autoimunes, como a Doença de Chron; e até mesmo para melhoria da saúde de pacientes obesos que já possuem processo inflamatório instalado devido ao excesso de tecido adiposo.

O pesquisador José Ytalo Gomes, também cientista do projeto, celebra avanços, como a concessão de mais uma patente, da adição do PCO-C ao azeite de oliva, que apresentou um efeito hipoglicêmico, antioxidante e antidislipidêmico, relatado no artigo “Therapeutical effect of olive oil aggregate to 4-methoxycinnamic acid diester obtained from carnauba (Copernicia prunifera) wax (PCO–C) on dyslipidemia, hyperglycemia, and oxidative stress” (Efeito terapêutico do agregado de azeite de oliva ao diéster do ácido 4-metoxicinâmico obtido da cera de carnaúba (Copernicia prunifera) (PCO-C) na dislipidemia, hiperglicemia e estresse oxidativo).

Potenciais e desafios

Como forma de contribuir para a sustentabilidade das atividades extrativistas da árvore no Nordeste, a Associação Caatinga, realiza o evento virtual e gratuito “Semana da Carnaúba: Diálogos para uma Cadeia Sustentável “, entre os dias 23 e 27 de agosto.

O objetivo é reunir trabalhadores extrativistas, produtores, industriais, poder público, instituições internacionais e terceiro setor para debater perspectivas sustentáveis no extrativismo da carnaúba no Nordeste.

O evento reunirá representantes desses setores no Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, estados que se destacam em produção e exportação de cera de Carnaúba. Os cinco dias de evento terão início às 14h e serão transmitidos por meio do canal de YouTube da Associação Caatinga. As inscrições podem ser realizadas por meio de formulário virtual.

A Semana da Carnaúba faz parte do Projeto Ação do Setor Privado para a Biodiversidade (Private Business Action for Biodiversity – PBAB), iniciativa global que promove metodologias e ferramentas para favorecer a manutenção da biodiversidade em práticas produtivas e de comercialização. Para mais informações sobre o projeto, disponível em inglês, acesse o site da GIZ.

No Brasil, o projeto faz parte da Iniciativa Internacional para o Clima (IKI), que conta com o apoio do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha (BMU) e é implementado no âmbito da parceria entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, agência alemã de cooperação internacional, a Associação Caatinga e a União pelo Biocomércio Ético (UEBT).

A GIZ é uma empresa do governo federal da Alemanha que apoia a implementação de projetos de cooperação internacional e está presente em mais de 130 países. No Brasil, a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável atua, principalmente, em duas áreas temáticas: proteção e uso sustentável das florestas tropicais, assim como energias renováveis e eficiência energética.

No Semiárido, a GIZ apoia ações que promovem o uso sustentável da carnaúba por meio do projeto PBAB. Andreas Gettkant, diretor de projeto na GIZ Alemanha, assegura que “é de grande relevância contribuir para a consolidação da bioeconomia inclusiva na Caatinga por meio do desenvolvimento sustentável das cadeias de valor da sociobiodiversidade, como a da carnaúba”.