Eliete I. Sousa

Aquilo que eu tenho, você não (e que você acha o contrário)

“Bom Senso”... Eu tenho, você não tem!!! E não cabe contraditório. 

Quando uma criança faz inveja a um coleguinha dizendo: eu tenho, você não tem, o coleguinha malandro responde: e se eu tomar, você fica sem! Esse é um contraditório que não cabe ao bom senso. Bom senso é imaterial, é um valor como o conhecimento, que uma vez adquirido ninguém nos tira. 

Opa!  Peraí...!

Eu dizia que ao bom senso não cabe contraditório... Já me arrependo porque lembrei da insensatez, uma pereba que todo mundo vê. Nos outros. Porque “macaco não olha pro rabo, só olha pro toco da cotia”...

Foto: Anderson Miranda/Pexels/Creative Commons
Bailarina
"Todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem"
Osvaldo Montenegro

Então vamos pegar a “insensatez”, essa pereba, e lembrar Osvaldo Montenegro quando diz na sua música que “todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. Nesse caso, a bailarina sou eu. E você.

Ao contrário do chifre, que não existe - é coisa que botam na sua cabeça -, o bom senso não só existe como todo mundo se diz ter. Mas não usa.

Bom senso, chifre, bruxa e cabeça de bacalhau são coisas que supomos existir, mas ninguém vê.

Estamos sempre dizendo que o outro não tem bom senso. 

Bom senso, eu tenho! Você, não tem! Insensato, é você! Eu, não!

No meu entender, bom senso é o freio do politicamente incorreto. É o que nos falta quando agimos sem medir as consequências; quando somos imprudentes; quando somos inconsequentes. 

Todo mundo diz ter bom senso, mas nem todo mundo o usa. Até os cautelosos, que usam sem parcimônia, uma vez por outra caem na vala comum da insensatez. Ninguém está imune. Somos falhos e, por vezes, descuidados com os outros.

Quantas vezes provocamos acidentes por imprudência, ou nos acidentamos por vacilo, aí vem a questão: faltou bom senso!

Quantos de nós nos parecem ridículos com vestes inadequadas, ou fazendo macaquices, vem um e diz: nossa, que mal gosto! Vem outro e diz: fulano não tem senso do ridículo ou, fulano perdeu o senso do ridículo! Mau gosto também é falta de bom senso...

Quantas vezes nos tornamos personas “non-gratas” por causa de um comportamento que extrapola os limites? Quantas outras ferimos alguém com palavras inapropriadas ditas fora de contexto, e quantas vezes sem querer, melindramos pessoas com respostas por impulso, com falas ditas de mal jeito, ou as constrangimos com brincadeiras sem graça? 

Quantas vezes somos descuidados, desatentos e insensatos!? 

Quantas vezes abrimos o armário e a louça despencou sobre nossas cabeças porque pousavam pratos sobre pires e a caneca querendo entrar na xícara?

Quantos rolos de papel higiênico se desperdiçam sobre pisos de banheiros porque são colocados de cabeça para baixo? 

Já viram papel higiênico em banheiros de shoppings ou de órgãos públicos? Acho que os repositores estudaram na mesma escola e tiveram um aprendizado em série -, deve ser coisa de marketing! Eu arrumo todos que encontro pela frente. É sério! Ao entrar num banheiro meu primeiro olhar é pro papel higiênico. E me irrito! E o desviro! 

Mas nada é mais sinistro que banheiro de rodoviária, de beira de estrada e de outros tantos públicos. Parece a sucursal do inferno. Mamãe já dizia que o costume de casa se leva à praça. Pois não é que a falta de educação tem pé, cria asas e sai por aí feito mula-sem-cabeça?!

Mas nem só de pão vive o homem, e há também nos banheiros, além de irritação, nacos de filosofia... 

Uma vez li na porta branca de um banheiro de escola, instalada em frente ao vaso, um verso escrito a lápis que dizia assim: “estava eu neste vaso, em meditação profunda, a bosta bateu na água e a água bateu na bunda”.  Original! Um desabafo poético que deve fazer muita gente rir até hoje. Só podia ser coisa de estudante. 

Aí você pergunta: o que tem isso a ver com bom senso? Sinceramente? Nada! Só pra tirar você do sério.

Quanta água desperdiçamos por não fechar a torneira direito e quanta energia desperdiçada por esquecer de apagar a luz desnecessária? E me irrito! Apago a luz e fecho a torneira. Ou aviso o defeito para o responsável. 

E o creme dental?! Que estresse! Queria saber quem ensinou a fazer cintura no tubo de creme dental.

Quanto tempo já desperdicei empurrando o creme de baixo até encontrar com o de cima! Uma vez encontrei uma pecinha que se prende no fundo do tubo e vai rolando a pasta. Aí pensei: aleluia! Esse estresse acabou! Num é que o treco sumiu e o tubo da pasta voltou a criar cintura!? Kkkkk!

Quando eu tinha ajudante do lar - acho que não pode mais falar “empregada doméstica”, nem sei mais como dizer os “ditos”, aí entendo o desespero do presidente clamando por liberdade de expressão -, o primeiro dia era de aula, começando pelo papel higiênico. E já na entrevista a primeira pergunta: você sabe lavar louça? Kkkkk! Olho arregalado pra mim! Kkkkk!

Parece uma pergunta escrota, né? Mas não é não! Pensa na bucha saindo da louça engordurada e se jogando nos copos! Já sentiu cheiro de peixe nos copos? Comece sempre pela louça isenta de gordura... Minha louça vai para a pia como se fosse pra máquina: quase limpa. Economiza tempo, economiza água e não entope a pia. 

Pia entupida? Que inferno!

E loja de departamento? Malditas araras! Que inferno aquilo! Essas não arrumo: me irrito e vou embora. Perdem a venda! E não adianta correr atrás de mim, que nem olho para trás. 

Quanto prejuízo com a coisa pública por não entender que a coisa pública nos pertence e requer que cuidemos dela! É nosso dinheiro ali investido. Mas não confunda: a coisa pública é nossa, mas não é pra levar pra casa. É só pra usar, cuidar e deixar onde está  pra compartilhar com todos. É “nossa”, quer dizer, de “todos”

Bom senso também é consciência! É educação! É responsabilidade! É respeito! É cidadania!

Você deve estar me achando uma chata, né? Já fui metódica, mas fui vencida e virei a casaca. Estou na outra ponta com a mesma intensidade de amor e ódio. Minha casa tá um pandemônio, tá de pernas pro ar, tá que não me cabe. 

Fiz uma obra de reforma há um ano, tiraram tudo do lugar e o lugar das coisas parece não as caber mais. Precisava refazer a obra que ficou uma bosta, viajei para passar as chuvas fora e quando voltei, tinha a pandemia. Travei! O carro arriou a bateria e deve estar perdido, parado na garagem porque não acho os documentos, o iPad se perdeu porque não acho o carregador e não se recarrega mais, não acho nada nesta casa. O amontoado de coisas se tornou invisível e só acho a trilha por onde passo. Aí constatei o que eu já sabia: ocupo tão pouco espaço, me dou tão pouca despesa... 

Mas sinto falta das coisas que se estão perdidas e das que viraram prejuízo. 

E quero parabenizar a pessoa que deu nome de “obra” para OBRA. Adão não seria besta! É muita convicção! 

Quando eu era pequenininha meus pais chamavam merda, de obra.

Somos pecadores, e quando pecamos, nos cabe reconhecer, arrepender e pedir perdão. Erros graves invocam perdão. Pequenos deslizes pedem desculpas. Bom senso, requer “uso”

Não importa o tamanho de nossos erros, reconheçamos nossas falhas, e ainda que constrangidos, nos enchamos de coragem e com o coração derretido, com açúcar e com afeto, peçamos desculpas. Com atenção às nossas atitudes: 

Usemos o bom senso!

Boa semana a todos, boa reflexão e até domingo, se Deus quiser!