Foto: pxhere/Creative Commons
Este é o primeiro texto da coluna semanal intitulada #Direito com #Literatura, que pretende revelar detalhes de narrativas literárias, observando aspectos do Direito e da Comunicação presentes nessas narrativas.
A ideia dessa coluna surgiu da paixão pela literatura, do desejo de incentivar a leitura e da necessidade de reacender o estudo de elementos do Direito e da Comunicação, duas áreas de atuação, que amo muito e que se entrelaçam e se complementam, por intermédio da leitura de produções literárias.
Escolhi, então, o conto “Beira- Rio", de Carlos Drummond de Andrade, do livro Contos de Aprendiz, publicado pela editora RECORD, em 2003.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1951, antes da era de Juscelino Kubitscheck (1956 a 1961).
Logo na primeira página do conto, tem-se uma referência à exploração do trabalhador e ao fato de uma “Companhia” não obedecer às leis trabalhistas: “O dia do trabalho espichava-se por oito horas legais e mais duas de prorrogação, sem pagamento” (DRUMMOND, 2003, P.61).
Levando-se em consideração a legislação trabalhista da época em que o conto foi produzido, sem adentrar, por exemplo, na questão das alterações que ocorreram na recente reforma trabalhista, tem-se a regra de limitar a jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais.
Amauri Mascaro Nascimento, no livro Curso do Direito do Trabalho, explica que o trabalhador, conforme o art 59 da CLT, pode, de comum acordo com o empregador “prorrogar a jornada diária do trabalho” sendo que as horas extras só poderiam ser de no máximo 2 horas diárias e o acordo de prorrogação, na forma escrita, observando-se que “cada hora extraordinária será paga com adicional de 50%” (MASCARO, 2010, p766).
E o conto de Carlos Drummond de Andrade denuncia algo que já vinha ocorrendo na época que foi escrito, um período com greves e reivindicações dos trabalhadores:
“A Companhia tinha pressa na execução do programa. Como não restassem trabalhadores a recrutar, na região, exigia-se de todos um esforço maior. Quanto à remuneração desse suplemento de serviço, falava-se que iria formando um bolo para o operário receber, acabada a obra, ou quando se retirasse. Falava-se. Mas ninguém sabia nada ao certo. E fiscal do Ministério do Trabalho naquelas brenhas...você viu?” (DRUMMOND, 20013, P.61)
O conto foi publicado em 1951 e Getúlio Vargas havia promulgado a CLT em 1º de maio de 1943, sendo que, em termos da jornada de trabalho que o conto faz referência, a Constituição de 1934 já trouxe avanços sociais importantes para os trabalhadores, pois instituiu o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, o repouso semanal, as férias anuais e a indenização por dispensa sem justa causa.
O conto “Beira-Rio” de Carlos Drummond de Andrade ambienta-se na vila Capitão Borges, onde tem “muitos meninos, e nenhuma escola”. Na vila, que gira em torno da Companhia que proibiu a venda e ingestão da bebida alcoólica, pois:
“O álcool foi rigorosamente proscrito, como o jogo. Verdade seja que há abundância de baralhos e de uísque no grande armazém quadrado. Mas esta é uma seção reservada aos técnicos e à alta administração, que quanto mais bebem e jogam -é admirável- mais trabalham (DRUMMOND. 2003, p. 62)
Percebe-se que a narrativa revela a importância do ócio que foi reprimido na vila, um ócio, que segundo Domenico de Masi, no livro O Ócio Criativo, pode ser vivido fazendo com que o indivíduo seja feliz, sem prejudicar ninguém e “só neste caso, atinjo a plenitude do conhecimento e da qualidade de vida”(DE MAIS, 2000, p. 336) e a felicidade, na verdade, traz criatividade, inovação e produtividade.
Trata-se, na narrativa do conto, em destaque, de uma ironia ao Capitalismo e às empresas que, naquela época, em prol de uma produção desenfreada, queriam controlar o comportamento dos trabalhadores, em detrimento da lei, conforme o próprio conto sugere:
“A proibição não está nas leis de um estado onde se bebe tanto, e mesmo onde se destila cachaça tão fina, sob cinquenta nomes diferentes, e que é fonte considerável de receita pública” DRUMMOND, 2003, P. 62)
Tudo isso ocorre até que chega, na vila, conforme narrativa do conto, o negro Simplício da Costa, que decide vender cachaça, mesmo sendo avisado que a Companhia não permitia. E o conto descortina uma tática ainda usada em muitas companhias para verificar o comportamento dos seus subalternos:
“O subdiretor chama dois homens de confiança. Eles têm a missão de policiar disfarçadamente os colegas e, quando preciso, descer-lhes a lenha sem dar impressão de que é por ordem superior. Recebem instruções para entender-se com o negro e convidá-lo a remover sua tralha da beira rio” (DRUMMOND, 2003, P.66)
Mas os homens de confiança não conseguem entregar os colegas, entretanto a Companhia desconfia e manda o comandante do destacamento policial procurar o negro e mesmo o negro explicando que tinha a licença do Governo para o negócio, os soldados, a mando do comandante, tocam fogo no negócio do negro e ordenam que ele vá embora da vila.
O final do conto é aberto, pois não fica claro se quando os soldados atiram a esmo para que ele corra, ele morre ou não.
Ao observar a forma de Comunicação do conto, em termos de recursos linguísticos, tem-se o uso da metáfora, da antítese, do paralelismo, da repetição, da elipse e da ironia, com artifícios de expor, na narrativa, o ponto de vista do narrador.
Leiam o conto e tirem outras conclusões tanto do ponto de vista da narrativa enquanto Comunicação quanto em relação aos elementos do Direito, explicitados nesta coluna.
Enviem e-mails para antonielladevanier1@gmail.com
REFERÊNCIAS:
DE MAIS, Domenivo. O Ocio Criativo. Rio de Janeiro. Sextante, 2000.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do direito do trabalho.25. ed. São Paulo, 2010.
Drummond, Carlos. Contos de Aprendiz. 46ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.