Jolivaldo Freitas

Ninguém empresta dinheiro a pobre

Quando ouviu no rádio de pilha (R$ 10 no Relógio de São Pedro, sem as pilhas) a informação de que o governo mandara o Banco Central e o Copom baixarem a taxa Selic para 9 por cento ao ano, não entendeu bulhufas mas pensou rápido que se baixou era bom para a pobreza.

O governo não iria fazer nada que prejudicasse o povo, refletiu. Já no aparelho de TV de dez polegadas (R$ 80 no Mercado do Ouro, sem pilhas, mas com alimentador) se inteirou que os bancos oficiais estavam baixando os juros dos empréstimos e qualquer um poderia agora pedir dinheiro mais barato. 


Eufórico chamou a mulher (dona Nina, 54 anos), coisa que nunca fizera em 35 anos de casados para pedir opinião. Queria fazer um puxadinho, bater mais uma laje, comprar um carro Fiat mesmo que velho (R$ 2 mil em mãos dos cegonheiros de Água de Meninos); um vestido novo para a mulher (R$ 18 na Marisa do Shopping Barra), uma sandália nova (R$ 15 na Baixa dos Sapateiros) e para ele mesmo uma dentadura nova (R$ 200 na Feira de São Joaquim). 
 
Foi quando no meio da conversa em que a mulher só fazia balançar a cabeça e ele já achava que tinha sido um erro chamar para conversar e dar satisfação, que apareceu na televisão o comercial de um banco que dizia que estava ali para ajudar, que tudo era mais fácil e terminava assim: “Vamos jogar bola”. Ficou arrepiado, ainda mais ele, adorador de futebol, torcedor do Ypiranga e que na falta do time na Série A estava torcendo pelo Bahia, mas sem paixão, só por não gostar do Vitória. Tinha até uma camisa tricolor (R$ 10 na Barroquinha). 
 
Nem pensou mais, muito menos duas vezes. Chamou pela mulher que já tinha ido para a cozinha fazer o feijão fradinho (R$ 5 o quilo na Ceasa) aos berros e mandou que fosse tomar banho e ela sem entender nada perguntou se ia usar, e ele disse que quitasse o facho, tomasse banho frio, pois iriam no banco pegar todo dinheiro possível para realizar seus objetivos. Ela contrariada porque fazia tempos que ele não comparecia, perguntou se era assalto e ele se fez de surdo, pois é melhor ser portador de necessidades especiais do que ouvir besteira.
 
Foi ao banco e já chegou vendo um imenso cartaz onde um garoto pobre segurava uma pelota e o título dizia “Vamos Jogar Futebol”. Entendera a mensagem. O banco, em sua concepção queria dizer: vem que tem jogo! Faça, arrisque, busque. Foi com tudo e já chegou pegando o copinho de café no canto do balcão e entrou na fila de espera. Duas horas passadas e nada de atendimento, a fila andando aos poucos. A mulher saiu para buscar um pastel e um copo de refresco (R$ 1,50 na mão do rapaz da esquina). 
 
Quando foi atendido já dormia a sono profundo nas cadeiras e nem viu as horas no relógio Dumont (R$ 10 no Largo de São Bento, mas conseguiu R$ 1 de desconto) e teve de ser despertado. A gerente muito bonita e solícita (ele pensou nos velhos tempos onde nada escapava e ainda deu olhada geral) foi perguntando o que ele queria e foi logo desfiando o rosário e foi quando ele fez as perguntas certeiras que dilaceraram seu coração e amuaram a carteira. 
 
- O senhor tem conta neste banco? – Não senhora! 
 
- O senhor possui um Holerite? – Não sei o que é? 
 
- O senhor tem contracheque com o mínimo de R$ 3 mil? – Não senhora... sou autônomo! 
 
- O senhor tem pro-labore? – Vixe! 
 
- O valor da mensalidade que o senhor vai pagar de spread, sendo que caso o empréstimo saia vai para um Fundo DI, é superior a uma taxa nominal de 3 por cento ao mês, o que significa que seu valor de pagamento mensal é superior ao que o senhor percebe no mês, pelo que posso avaliar e deduzir. 
 
Então ele viu que de nada adiantou a notícia da baixa da Selic, que não sabia mesmo o que era e muito menos a informação que os bancos oficiais estavam dando dinheiro para qualquer um. Puxou a esposa pela mão e ainda quebrou sua pulseirinha Micheline dada de aniversário (R$ 7 na Rua Carlos Gomes). Desabafou com um suspiro “pobre não tem vez”. E levando a mulher rapidamente pelo braço, com medo que cobrassem o cafezinho que tomara: 
 
- Vamos mulher! Vamos jogar bola! 
Só não rasgou o cartaz da porta do banco porque tinha a foto de uma criança segurando a bola.