Comportamento

Entenda por que você fica triste quando chega o final do ano

Psiquiatra destaca alguns dos motivos que costumam causar angústia

A nostalgia associada ao fim do ano é um fenômeno complexo

A época de Natal e Ano Novo, na maioria das vezes, está associada a sentimentos de alegria, entusiasmo e confraternização no imaginário coletivo. A chegada dessas datas carrega diferentes simbolismos e tradições tanto para crianças como para adultos. Há até quem acredite que literalmente exista o "espírito natalino", que torna as pessoas mais generosas, solidárias e gratas no final do ano.

Em contrapartida, também existem pessoas que passam por experiências bem diferentes nesse período, como tristeza, ansiedade, medo e frustração. Tudo isso pode ser resultado de diversas razões, sendo uma delas a perda.

“A nostalgia associada ao fim do ano é um fenômeno complexo e multifacetado, pois vários aspectos contribuem para um combo de sentimentos nostálgicos, muitos deles ligados às experiências de dezembros passados”, detalha a neurocientista parceira do Supera – Ginástica para o cérebro, Livia Ciacci.

Memórias Afetivas - O final do ano muitas vezes é marcado por reuniões familiares, celebrações festivas e tradições específicas, religiosas ou não. Esses eventos criam memórias afetivas profundas que estão ligadas a sentimentos de calor humano, pertencimento, esperança e alegria. Esse tipo de ritual associado ao vínculo humano tem muita força para criar memórias duradouras no cérebro, exatamente porque combina emoção, crenças e a repetição das tradições (sejam elas de qualquer cultura).

Antecipação e Expectativas - A temporada de festas é frequentemente marcada por uma sensação de antecipação e expectativa. A antecipação de eventos felizes e a expectativa de um novo começo no próximo ano podem criar um ambiente propício à nostalgia.

Simbolismo de Encerramento e Renovação - O fim do ano é simbolicamente associado ao encerramento de um ciclo e ao início de um novo. O corpo humano como um todo é organizado por ciclos, e esse simbolismo de encerramento e renovação desperta reflexões sobre o tempo que passou e as mudanças experimentadas. Isso é bastante positivo, pois a sensação de que os fracassos ficaram no “eu do passado” permite que eu inicie um novo ano disposta a começar “do zero” de novo.

"Normalmente, essas datas estão atreladas a memórias em que, para muitos, remetiam a uma época em que tudo parecia perfeito, mágico, especial ou interminável. Assim, ao longo do tempo, especialmente na vida adulta, essas recordações provocam uma sensação antagônica: alegria pelas experiências vividas, mas também tristeza por não existirem mais", afirma o Dr. Rodrigo Lancelote Alberto, especialista em psiquiatria e diretor técnico do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) de Franco da Rocha e do Hospital Estadual de Franco da Rocha, gerenciados pelo Cejam - Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim" em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.

Isso ocorre porque, ao longo dos anos, muitos precisam lidar com a ausência de entes queridos, seja por distanciamento decorrente de algum assunto mal resolvido ou pelo óbito. E, justamente nessas celebrações, tudo passa a ficar mais evidente a partir da falta. Esses mesmos sentimentos podem ocorrer em outras datas consideradas especiais, como aniversários, por exemplo.

“Não é incomum que as pessoas tenham um sentimento de solidão forte nessas datas e, por vezes, se isolem em uma época marcada tradicionalmente pelo entusiasmo e euforia”, explica o médico.

Há também quem vivencie frustrações decorrentes de altas expectativas para o momento, que é um dos mais esperados do ano. Seja pelos ambientes, pelos presentes ou pelas pessoas, muitas vezes as festas podem tomar um rumo totalmente diferente do esperado. Brigas, desentendimentos e atitudes egoístas podem ser algumas das razões para que o período siga um caminho distinto do idealizado.

Eventuais problemas financeiros ainda podem aguçar toda essa sensação de melancolia e ansiedade, já que é um período propício para o consumo de diferentes áreas. E o fato de o dinheiro ser um recurso limitado para muitas pessoas, infelizmente, pode gerar preocupações adicionais.

Então é Natal, e o que você fez?

O encerramento do ano marca o fim de um ciclo, propiciando reflexões sobre os objetivos alcançados e aqueles que não foram. Essa oportunidade, embora potencialmente poderosa para impulsionar o progresso no futuro, pode também se tornar algo angustiante para muitos, desencadeando crises de ansiedade decorrentes das comparações com familiares e amigos.

Os famosos votos estabelecidos no início do ano, como ir à academia com frequência, praticar exercícios físicos, fazer um novo curso, economizar dinheiro, arrumar um novo emprego, começar um relacionamento amoroso, aprender uma nova habilidade e viajar mais, são apenas alguns dos itens da tradicional lista de desejos.

"Essas aspirações refletem o desejo comum de crescimento pessoal, bem-estar e realização, e todos nós temos isso. No entanto, a realidade, muitas vezes, se revela desafiadora e, ao longo do ano, as demandas cotidianas podem interferir nessas resoluções. Logo, as metas, que deveriam ajudar na evolução, passam a pressionar muitas pessoas", ressalta Dr. Rodrigo.

O psiquiatra destaca que tudo isso pode gerar um ciclo de expectativas elevadas e, por vezes, desilusões e autocrítica, que podem ficar ainda mais fortes com a chegada do final do ano.

De fato, há uma infinidade de razões que podem entristecer o coração das pessoas. Por isso, é essencial reconhecer a existência de uma diversidade de experiências entre cada indivíduo, para, assim, promover uma abordagem mais compassiva.

Segundo o especialista, o conselho para tornar as festividades mais leves é um só: "Essa época demanda tolerância e compreensão em relação às pessoas que nos rodeiam, uma vez que cada indivíduo pode estar presente fisicamente, mas vivenciando uma gama de emoções complexas. Essa, sem dúvida, é uma oportunidade de sermos gentis conosco e com o próximo. No geral, são momentos de reflexão e, de certa forma, podem ajudar no aprofundamento de si. Apesar de tudo, pode ser uma oportunidade de renovação e autoconhecimento".

Cheiros e fim de ano

Cheiros específicos associados a época do fim do ano podem ter um impacto significativo no processo de memorização de longo prazo. Isso ocorre devido, segundo a neurocientista Livia Ciacci, devido à conexão direta entre a região do cérebro responsável pelo processamento olfativo, o bulbo olfatório, e áreas associadas à memória e às emoções, como o hipocampo e a amígdala.

Essa ligação entre cheiro, memória e emoção é mais rápida e, muitas vezes, mais forte do que com outros estímulos sensoriais. Inclusive uma pesquisa da universidade de Rockfeller diz que 35% da nossa memorização vem do olfato.

“No contexto das festas de fim de ano, os cheiros de pinheiro, canela, maçã, laranja, panetone, peru assado entre outros aromas característicos dessa época, ficam associados no cérebro às celebrações e momentos especiais a partir da repetição de cada ano desde a infância. Quando esses cheiros são percebidos novamente, eles desencadeiam automaticamente as lembranças e emoções ligadas a esses eventos, contribuindo para uma sensação de nostalgia e aprofundando a conexão emocional com os eventos de fim de ano”, detalhou.

Memória, lembranças e a essência do que somos

O ser humano é construído a partir das suas percepções sobre a vida e de lembranças. As vivências moldam quem vamos nos tornando e quais laços construiremos com quem nos cerca. Revisitar e contar as boas memórias é excelente para mantê-las vivas, afinal, lembrar a felicidade é ser feliz de novo. Além disso, olhar para trás com carinho, significa valorizar a própria vida.

Toda essa magia acontece no cérebro, um órgão que precisa de estímulos de qualidade para continuar saudável e capaz de proporcionar tantas boas sensações e trocas com as pessoas que amamos. Exercitar o cérebro é garantir que você continuará capaz não só de contar as histórias dos bons tempos, mas também disposto a formar novas memórias tão lindas quanto as antigas.

"Uma dica para os momentos em família que também exercita a memória é fazer a chamada “decoração afetiva”. Que tal distribuir recordações por toda casa, com fotos, objetos e uma playlist especial? Criar uma casa que carrega memórias irá criar excelentes memórias", concluiu a neurocientista.