Opinião

Reino Unido da Matemática

A sobrevivência do Reino Unido depende, em boa medida, cada vez mais da matemática.

Foto: Deepak Gautam | Pexels/Creative Commons
Um grave desafio será encontrar professores de matemática

Em seu primeiro discurso do ano de 2023, o primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak (n. 1980) estabeleceu o ensino de matemática como prioridade em seu governo. Ao ambicionar que tal ensino de matemática seja de alta qualidade para todos os súditos do Reino Unido, comprometeu-se a criar um fundo de dois bilhões de libras apenas neste primeiro ano, com intenção de investir o mesmo no ano seguinte.

Cerca de oito milhões dos adultos, de uma população de 63 milhões no Reino Unido, tem habilidades numéricas muito limitadas. Atualmente, apenas metade dos jovens entre 16 e 19 anos estuda matemática. O analfabetismo matemático é um sério problema em diversos países, mas pouco discutido pelas autoridades.

Há uma particularidade no Reino Unido, que é um dos poucos países ricos a não exigir obrigatoriedade de que jovens estudem algum tipo de matemática entre 16 e 18 anos. A intenção do primeiro ministro é essencialmente mudar tal política educacional, tornando obrigatório o ensino de matemática até os 18 anos, ao mesmo tempo que visa melhorar o ensino infantil e infanto-juvenil. Sua ambição, ao intervir fortemente na educação básica e elementar, é a de garantir o futuro do Reino Unido ao promover que as crianças e jovens de hoje saiam da escola com melhores habilidades em matemática.

Com formação em filosofia, política e economia, o primeiro ministro tem uma fortuna pessoal avaliada em 730 milhões de libras, esta em boa parte obtida pelo uso da matemática em seus negócios. Sua proposta de reforma é corajosa e desafiadora, ao enfrentar o analfabetismo em matemática.

Um grave desafio será encontrar professores de matemática, uma profissão cada vez mais rara entre as escolhas profissionais dos poucos que a estudam, e que são melhor renumerados e mais requisitados em outras atividades, incluindo consultorias de otimização de produtos e processos, além de análises estatísticas e de Big Data. Não à toa, boa parte dos profissionais de exatas, como matemática, física, química e computação, atuantes no Reino Unido, são estrangeiros ou descendentes destes, como o próprio chanceler. Sua intenção é de rapidamente formar ao menos 6.500 novos professores(as) em todo país. Que tal atitude torne-se exemplo e inspiração aos demais dirigentes ao redor do planeta.

Num mundo onde os dados estão cada vez mais disponíveis e as decisões requerem ações por meio de análises otimizadas, a matemática é parte fundamental para o desenvolvimento das nações. Torná-la aprazível, interessante, aplicada e lúdica não será uma tarefa fácil, mas não de todo impossível, dada a tradição britânica de excelência em produzir matemáticos(as) de alto calibre ao longo dos séculos, estes do porte de Isaac Newton (1642 - 1727) e Mary Fairfax Somerville (1780 - 1872), apenas para citar dois exemplos.

Seis britânicos foram laureados com a Medalha Fields desde 1936, a premiação mais relevante da matemática, que ocorre a cada quatro anos, e erroneamente equiparável ao Prêmio Nobel, que é anual. Particularmente, 138 britânicos foram agraciados desde 1901 em categorias tão diversas como os Prêmios Nobel da Paz, Física, Química, Literatura, Fisiologia ou Medicina e Economia.

A sobrevivência do Reino Unido depende, em boa medida, cada vez mais da matemática. A mais importante autoridade política do país reconhece a necessidade de melhorias na qualidade do ensino da Rainha das Ciências. Num lugar onde reis, rainhas, príncipes e princesas são reverenciados, tornar a matemática real a seus súditos, reimaginando sua abordagem, é um desafio a toda a prova.

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Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia