Cassiano Antico

A morte e as dificuldades de lidar com ela

Por que temos tanta dificuldade em lidar com a morte se ela é um destino certo para todos nós?

Desde muito pequenos nutrimos um medo monstruoso da morte. A morte é como uma ameaça constante que não temos coragem de olhar. Mantemos um medo inútil. Uma relação de cagaço com uma realidade que vai acontecer em um momento ou outro.

Precisamos colocar as coisas em perspectiva: temos medo da morte ou de sentir dor? Temos medo da morte ou de deixar a nossa família desamparada?

Quando a gente se aproxima do assunto, encontra a oportunidade de olhar para as nossas aflições e temos a chance de abrir o jogo, de ter conversas, de deixar claro tudo o que nos preocupa: a nossa finitude.

O que acontece depois da morte? Não sei, há diversas explicações. "Só o tempo dirá se serei pó ou se beijarei minha avó". Entretanto, a impermanência nunca esteve tão escancarada nas nossas vidas como agora – e isso nos coloca em uma situação muito mais vulnerável.

Estamos vivendo e assistindo inúmeras mortes, a morte de entes queridos ou conhecidos, a morte das pessoas do mundo todo, e também a morte de sonhos, de planos, da liberdade, das relações, da vida como conhecemos. Vivemos um luto coletivo por perdas múltiplas.

Como escreveu Henry Miller, parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre.

A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como covardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina - se ao menos o soubéssemos compreender! - para além de a aceitarmos tal como é.

Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar.

O que nos parece ruim, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito - conclui Miller. Todos os momentos são momentos de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais.

A vida é agora, são todos os momentos, mesmo com o mundo lotado de morte. A morte só triunfa ao serviço da vida.

O aprendizado é a consciência da nossa mortalidade. Ignorar esta realidade não faz com que ela desapareça. Acabamos dando à morte muito mais poder do que ela realmente tem e passamos a ser reféns do medo.

Quando a olhamos de frente e passamos a nos relacionar com ela, a morte ocupa o lugar que a pertence, que é o de um processo natural de todas as criaturas vivas da Terra.

O medo paralisa. Impede que apreciemos os mais singelos momentos, as trocas, ou até uma simples refeição. Viver abraçado ao medo é o mesmo que não viver.

Colocar a cabeça no travesseiro do medo é ficar no quarto escuro do cagão - que é o habitat natural dos covardes. 

O fim do mundo está sempre perto. Por que achamos que somos tão  especiais? Abrace tua filha, brinque com teu filho, beije tua mulher, faça carinho num animal, ouça a música da vida, agradeça por mais um dia... mais um pôr do sol.

Em breve, seremos todos caveiras. Com medo ou sem medo. Com cagaço ou sem. Heróis ou covardes... Odiando ou amando.