Cidade / Cinema

Itaú vira as costas para o cinema presencial e fecha o Glauber Rocha

A instituição também deixará de operar os espaços em Curitiba e Porto Alegre

Foto: Pelourinho Dia e Noite
Cinema Glauber Rocha

O espaço Glauber Rocha/Itaú de cinema, na Praça Castro Alves, em Salvador, foi desativado, nesta quinta-feira (16 de setembro), pelo Núcleo Itaú Cultural. Em nota, a entidade informa que também deixará de operar os espaços em Curitiba e Porto Alegre.

17 salas de cinema foram fechadas. Foram mantidas as operações apenas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

O banco Itaú registrou lucro líquido contábil de R$ 7,56 bilhões no segundo trimestre de 2021, um crescimento de 120,8% em relação o mesmo período do ano passado, quando reportou ganhos de R$ 3,424 bilhões.

Só nos 3 primeiros meses de 2021 o Itaú apurou lucro líquido contábil de R$ 5,414 bilhões.

Críticas ao banco

O governador Rui Costa determinou que haja uma articulação entre as secretarias da Educação, Administração, Fazenda e de Cultura na busca de uma solução que viabilize o funcionamento do Cine Glauber Rocha, espaço cultural que pertence ao Estado e é administrado em sistema de concessão.

“Estamos buscando outros apoios, de forma a oxigenar o Cineteatro Glauber Rocha, até a total retomada das atividades no espaço”, reforça a secretária de Cultura, Arany Santana.

O ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, ACM Neto, lamentou o fechamento e criticou o Itaú, lembrando que o Glauber Rocha era o único cinema de rua de Salvador. "Para além dos interesses econômicos, os bancos precisam ter compromisso social e cultural, que o Itaú decide deixar de lado", disse.

ACM Neto disse esperar que outras instituições, financeiras ou não, "possam se sensibilizar e dar apoio para manter o funcionamento do Glauber", cujo prédio funciona como cinema desde 1919.

O deputado federal e presidente estadual do PDT, Félix Mendonça Júnior, disse que se fosse cliente do Itaú encerraria "hoje mesmo" sua conta. "Um banco que lucrou R$ 6,4 bi em 2020, num crescimento de quase 64%, não pode manter aberto um espaço cultural tão importante?", perguntou.

Ouça - Olívia Santana, deputada

Olívia Santana, deputada estadual (PCdoB), considerou a decisão "desrespeitosa, pegando a cidade e os gestores do espaço de surpresa". 

Já o deputado estadual (PT) Bira Corôa disse que o fechamento mostra "a face do desamparo à cultura em um dos momentos em que mais precisa de apoio".

O vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB) lamentou o fechamento do Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, em Salvador, e reforçou a necessidade de ampliação dos investimentos na área cultural.  

“Vários equipamentos culturais encontram-se em situação muito difícil. O fechamento de um cinema é revelador também da grande dificuldade que o setor enfrenta, não só durante a pandemia, mas antes mesmo dela, em um processo de esvaziamento da política cultural que levou ao fechamento do Ministério da Cultura e que tem impactos em estados e municípios”, comentou o vereador. 

Ouça - Solange Moraes, cineasta

A cineasta Solange Moraes considera irônico um banco que diz apoiar a cultura fechar salas de cinema em plena pandemia, "deixando pessoas desempregadas". E cobra um posicionamento dos políticos baianos.

A jornalista Astrid Fontenelle publicou em seu perfil no Instagram que "um espaço importante para a cultura não pode ser perdido", compartilhando a notícia do possível fechamento da sala de cinema.

Ouça - Lula Oliveira, cineasta

O cineasta Lula Oliveira lembra que o espaço era "um encontro de cultura e de pessoas", além de histórico. "Hoje a gente acorda e vai dormir se sentindo órfão, nessa desconstrução que se está fazendo da cultura brasileira."

Joel de Almeida, cineasta, considerou "uma perda imensa", prevendo que a revitalização do Centro Histórico também sai perdendo.

E o cineasta Jorge Alfredo se disse "perplexo" com a notícia. "Sou um frequentador daquele espaço desde os anos 60, quando o Cine Guarani nos proporcionava momentos inesquecíveis. Ali, vi filmes maravilhosos e, nas manhãs de sábado, com verdadeiras aulas de cinema dadas pelo saudoso Walter da Silveira".

Ele destacou o trabalho de Cláudio Marques e Marília Hughes à frente do espaço que abriga, além das salas de cinema, livraria, café e um terraço onde acontecem eventos. "Foi uma iniciativa corajosa numa época em que o centro da cidade se encontrava em plena decadência", ressaltou.

 
Chega a ser covarde, isso
-- Jorge Alfredo, cineasta

Para Jorge Alfredo, "é um absurdo que o Itaú retire o patrocínio logo agora em plena pandemia. Chega a ser covarde, isso", disse.

Ouça - José Araripe, cineasta

"Fazer isso com a cultura é uma covardia", concorda o cineasta José Araripe, lembrando os "lucros astronômicos" conquistados pelo sistema bancário em 2021. Araripe disse esperar que logo surja outro patrocínio, que permita ao Cine Glauber Rocha "voltar a brilhar".

Ouça - Henrique Dantas, cineasta

O banco Itaú também recebeu críticas do cineasta Henrique Dantas, que se mostrou "abismado" com o fechamento do complexo de cinemas em Salvador. "O capitalismo não entende o que é cultura, não entende o que é arte." 

Ouça - Ceci Alves, cineasta

"Por qualquer ponto que se olhe, é uma calamidade o fechamento do espaço Glauber Rocha de cinema", lamentou a cineasta Ceci Alves. Segundo ela, perdem a difusão do cinema e a cultura nacional como um todo. 

A retirada de apoio para o funcionamento do cinema "é mais um desastre que acontece na cultura nacional, mais especificamente no cinema, que estamos assistindo", disse Ceci Alves.

Nota oficial do Itaú

O Espaço Itaú de Cinema está reorganizando sua estratégia de difusão de audiovisual no país. A nova diretriz prevê a intensificação de atuação em plataforma digital, para ampliar o alcance e acesso, e a revisão da rede física de salas de exibição.

Com a nova diretriz, a partir desta quinta-feira, dia 16, as salas das praças de Salvador, Curitiba e Porto Alegre, que vinham operando com taxa de ocupação inferior a 20% desde 2019, terão as suas atividades encerradas. As três unidades de São Paulo (Augusta, Frei Caneca e Shopping Bourbon), Rio de Janeiro e Brasília permanecem funcionando.

Com a nova configuração, a rede passa a contar com cinco complexos e 40 salas. São 25 em São Paulo (cinco na unidade Augusta, nove na unidade Frei Caneca e 11 na unidade Shopping Bourbon), nove em Brasília e seis no Rio de Janeiro. Deixam de integrar a rede 17 salas: quatro em Salvador, cinco em Curitiba e oito em Porto Alegre.

A redução da operação física não representará diminuição de alcance das ações do Espaço Itaú de Cinema. Ao contrário, a rede está intensificando a atividade de difusão digital por meio de parceria com a plataforma de streaming Itaú Cultural Play, que oferece ampla programação gratuita de filmes e audiovisuais brasileiros na web. Hoje a plataforma contempla 175 títulos dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal.

Com a sinergia entre a rede física e a plataforma digital, o Espaço Itaú de Cinema exibirá projetos curatoriais no Itaú Cultural Play, iniciativa inaugurada em agosto com a exibição da Mostra Ugo Giorgetti, que fica em cartaz até outubro. Novos filmes com esta assinatura serão exibidos a cada dois meses.

A participação do Espaço Itaú de Cinema no mundo digital deverá ser intensificada com o tempo, ampliando a oferta tanto de filmes quanto de mostras e festivais para todos os cantos do país.

2 perguntas
O LEIAMAISba fez 2 perguntas ao Itaú Cultural:


I - Diante de um lucro líquido contábil de R$ 7,56 bilhões somente no segundo trimestre de 2021, era impossível para o Itaú manter o Glauber Rocha?

II - O Itaú alega a baixa presença de público. O Itaú investe em cultura apenas se der retorno financeiro?

Sem responder às duas perguntas, Beatriz Schmidt, diretora financeiro-administrativa do Espaço Itaú de Cinema, disse que a instituição continua "acreditando fortemente no diferencial da experiência das salas de cinema, o que fica demonstrado com a manutenção da rede onde há maior adesão do público".

Cláudio Marques, diretor do Cine Glauber Rocha, divulgou a seguinte nota

Eu agradeço ao Unibanco-Itaú pela parceria que viabilizou a construção e manutenção dessa sala de exibição que é tão importante para a nossa cidade. Esse prédio funciona como cinema desde 1919. Não é pouco.

Construímos um empreendimento que foi capaz de transformar uma região preciosa e que estava abandonada. Hoje, há um novo cenário.

Pelo meu lado, e do meu sócio Adhemar Oliveira, nós continuamos a acreditar nas salas de exibição e no Centro Histórico de Salvador.

O Cine Glauber vai renascer depois dessa pandemia, desse momento terrível, ainda com mais força.

Espero realmente poder contar com o apoio de toda a nossa sociedade. Precisamos de novos parceiros e vamos atrás.

Temos pouco tempo para poder viabilizar uma nova equação, mas nós estamos confiantes que esse não será o ponto final dessa bela história.

O início

A história da rede Itaú de cinemas começou em 1993, quando foi criado o Espaço Banco Nacional de Cinema, em São Paulo, na Rua Augusta, ocupando o local onde funcionou o cine Majestic. 

Eram três salas comandadas pelo então cineclubista Adhemar Oliveira, cuja ação transformou completamente a visão do paulistano em relação ao cinema - se, até então, filmes americanos praticamente dominavam o mercado, o Espaço se tornou reduto pra novas cinematografias, ampliando o gosto do público.

O sucesso ajudou também a revitalizar a área.

Com a falência do Banco Nacional em 1995 e sua absorção pelo Unibanco, a rede de cinemas foi incorporada pelo Instituto Moreira Salles.

Até o Unibanco ser incorporado pelo Banco Itaú, foram inaugurados diversos complexos em diversas cidades. E, a partir de 2010, a antiga marca Unibanco Cinemas foi sendo progressivamente extinta, cedendo lugar ao atual Espaço Itaú de Cinemas.