Palco

Companhia Teatro dos Novos estreia espetáculo ao vivo

Diretamente do youtube do Teatro Vila Velha

Foto: Ananda Brasileiro
Teatro
Clara Romariz é A Louca Tranquila 

Na próxima sexta-feira, 14/08, a companhia Teatro dos Novos estreia montagem no palco virtual do Teatro Vila Velha. O espetáculo Fragmentos de um Teatro Decomposto inaugura essa nova maneira de a companhia atuar ao vivo, com atores, atrizes, técnicos e público juntos, porém de maneira remota. 

Teatro Decomposto é também resultado de um trabalho que se iniciou ainda na última semana de março deste ano, dias após o teatro fechar seus palcos, camarins e salas de ensaio, respeitando rigorosamente as medidas de isolamento social decorrentes da pandemia de Covid-19. 

O espetáculo tem direção de Marcio Meirelles e texto de Matéi Visniec. Esta primeira temporada terá três apresentações: a estreia e outras duas (dias 15 e 16), sempre às 20h, no YouTube do Teatro. O espetáculo não fica gravado, depois da apresentação. Os ingressos estão a venda em www.sympla.com.br/teatrovilavelha e custam R$10, R$20 e R$ 50.

Fica a critério do comprador pagar um dos três valores. Feito o pagamento, o comprador receberá em sua caixa de email um link para o espetáculo, dez minutos antes do início da apresentação.

O texto de Matéi já é conhecido pelo público que acompanha o trabalho recente do Teatro dos Novos. Ele foi encenado com o título de Espelho para Cegos em 2013, 2014 e 2018, também com direção de Márcio, que à época isolou as atrizes e atores em tablados altos, circundados pelo público, como ilhas. 

Agora, a atuação acontece a partir da casa de cada intérprete e o texto ganha uma outra dimensão. A série de nove monólogos trata de cidades invadidas por pragas, isolamento, solidão.

A banalidade do dia a dia, destruída por eventos sem explicação. Agora essas histórias e personagens desceram de seus tablados no Palco Principal do Vila e ressurgem em telas dentro de telas na playlist palcos do Youtube do Vila. 

“O texto tem essa qualidade incrível de apresentar essas imagens e situações tão atuais de cidades invadidas, de pessoas isoladas”, comenta a atriz Chica Carelli, para quem o processo de montagem foi um desafio e uma conquista. Os integrantes da Companhia, precisaram ensaiar a partir de suas casas através do aplicativo Zoom, sua nova sala de ensaio.

E lidar com questões técnicas como qualidade de transmissão via internet, microfones, câmeras de vídeo. “Foi preciso aprender a usar todas essas variáveis complexas a nosso favor, transformar as limitações em qualidade. Mas tem sido surpreendente a quantidade de soluções encontradas para dominar esse novo espaço, esse novo palco”, diz Chica.

Para Marcio Meirelles essa nova realidade exigiu outras abordagens para a construção da encenação, que agora não ocorre mais em um ambiente único. “Como marcar entradas e saídas de atores, como ajustar intenções na interpretação, agora mediada pelo áudio e o vídeo de computadores e celulares dos atores e atrizes.

Estas e outras situações estiveram presentes na montagem do espetáculo”, relembra o diretor. Para Marcio mudou o espaço, a cenografia, a movimentação e a construção de imagens, “mas permanece o teatro como espaço de encontro, de ação ao vivo e espelho da sociedade”, afirma o diretor. A propósito de coisas que permanecem e da arte como espelho, Marcio acrescentou à montagem o “Andando pela Paris deserta ou o mundo de Chirico”, texto  recente de Visniec sobre as ruas desertas durante a Pandemia do COVID-19. É ele quem encerra o espetáculo.

A atriz Clara Torres, que é também a Coordenadora de Produção desse novo formato de encenação, explica como funciona o novo palco virtual do Vila, que agora se materializa através de uma articulação de softwares. “De suas casas os atores e atrizes se posicionam, entram ou saem da frente de suas câmeras.

A produção monitora essa movimentação, abrindo ou fechando câmeras e microfones no aplicativo de vídeo conferência (o Zoom) e coordenando os atores através do WhatsApp”, revela Clara. Além disso, Clara e sua equipe são responsáveis pela transmissão do que acontece no Zoom em tempo real para a plataforma Youtube. Essa transmissão é feita através do software OBS (Open Broadcaster Software) que também permite a inserção ao vivo de elementos gráficos (como cartelas de texto), vídeos gravados, música e efeitos de imagem. 

É dessa maneira que a performance dos atores, a partir de suas casas, se articula no discurso teatral do Vila: atravessando softwares e aplicativos, inconstâncias de transmissão e os milenares imprevistos da vida no palco. Tudo mudou, tudo permanece.

Chica Carelli é A Louca Lúcida (foto Ananda Brasileiro)

Fragmentos de um Teatro Decomposto 

- De sua casa na praia de Imbassaí, em Mata de São João (BA), a atriz Clara Romariz é A Louca Tranquila 

São essenciais o cálculo e prudência ao enfrentar as ruas repletas de borboletas carnívoras. É uma questão de vida ou morte. Então preste muita atenção à maneira como você se move.

- De seu lar no bairro de Engenho Velho de Brotas, em Salvador (BA), a atriz Loiá Fernandes interpreta A Louca Febril 

As borboletas assassinas foram  substituídas pelo silêncio malcheiroso dos caracóis pestilentos, que agora surgem inesperadamente em todos os lugares.

- De seu apartamento no bairro do Rio Vermelho, em Salvador( BA), a atriz Chica Carelli é  A Louca Lúcida 

Os caracóis desapareceram porque, Imenso e praticamente impalpável, o animal-chuva pousou delicadamente sobre a cidade. Como uma neblina, uma garoa fatal, ele esvazia tudo aquilo que toca, de dentro para fora. Tudo, inclusive nós, lentamente. Ele agora habita aqui.

- De seu apartamento no Centro de Salvador (BA) o ator Miguel Campelo interpreta O Morador de Rua 

As grandes avenidas, as vielas, os becos sem saída, as rotas marítimas, os espaços aéreos, as encruzilhadas. A esquina de sua casa. E também os bares, os shoppings, as delegacias de polícia, as guaritas de segurança, os postos de emigração, as câmaras de vereadores. Não há ninguém fora em lugar algum e não ninguém dentro em lugar algum.

- De sua casa em Brumadinho (BA), o ator Rodrigo Lélis é O Homem no Círculo 

Dentro do círculo não há dor, nem angústia, nem fome ou frio, nenhum sofrimento, nenhum temor. Nenhuma dessas coisas horríveis que nos acontecem porque somos humanos. Nunca houve nada tão parecido com a felicidade... ou com a morte.

- De sua casa em Matatu de Brotas, Salvador (BA), o ator Vick Nefertiti é O Homem Lata de Lixo 

Diariamente o mundo produz, consome e descarta toneladas do que não serve mais, de tudo aquilo já gasto, quebrado ou irremediavelmente esgotado. E há ainda o fenômeno das centenas de milhares de manifestações de ódio e crueldade, despejadas nas redes sociais a cada hora, em todas as línguas. Produzimos lixo demais, o tempo inteiro. Numa situação extrema, o personagem deste monólogo passa a receber esse entulho em seu corpo, o tempo inteiro.

- De seu apartamento no bairro de Brotas, a atriz Ananda Brasileiro interpreta A Corredora 

Num mundo em constante aceleração, mover-se o mais rápido possível é um valor. Mover-se correndo entre pessoas, notícias, paisagens, mudando sempre de direção, deixando tudo para trás. Mas como agir quando não é mais possível parar ou mudar a rota?

- De sua casa em Itapuã,Salvador (BA), a atriz Clara Torres interpreta A Mulher da Barata 

Muitos são os afetos e as possibilidades de encontro. A Mulher da Barata nos conta o dia a dia banal, as manias e as felicidades de um par impossível.

- De seu apartamento no Centro de Lauro de Freitas (BA) a atriz Anne Cardoso interpreta A Mulher do cavalo 

Esta é uma fábula sobre negação e persistência. Algo, alguém, alguma coisa que nos imobiliza por ser improvável, impossível de aceitar. E quanto mais o negamos, mais ele persiste.