Opinião

A Balança me balançou

Inaldo da Paixão Santos Araújo - Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia

Segunda-feira, após cansativo dia de trabalho, volto para casa. Passo pelo monumento da Balança, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). Para quem não é de Salvador, e até mesmo para quem é, mas esquece o jeito que a Bahia tem, o CAB é o complexo público no qual se localiza o centro político e administrativo do Estado da Bahia (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas), bem como vários órgãos governamentais.

O CAB foi implantado no primeiro governo de Antonio Carlos Magalhães, em 1972, modificando o vetor de desenvolvimento da velha cidade. Os edifícios foram projetados pelo saudoso arquiteto João Filgueiras Lima, professor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia, cuja obra se caracteriza “pela busca da racionalização e da industrialização da arquitetura”. O traço viário do Centro é de Lúcio Costa, que elaborou o plano piloto da construção de Brasília.

O Centro Administrativo da Bahia, pioneiro entre os existentes nos demais estados, mesmo com mais de 40 anos não perdeu o seu charme, pois continua moderno e funcional. A impressão que se tem, quando se percorre suas avenidas, é que ele foi concebido para o século XXI. Certo estava Dorival Caymmi, que indagava: “Você já foi à Bahia, nêga? Não? Então vá!”.

Apesar de você, é notável a descaracterização parcial do projeto original em decorrência de novas edificações e anexos que surgiram fora de um padrão harmônico, por vezes, de gosto arquitetônico deveras duvidoso.

A Balança, pórtico do Centro Administrativo, está às escuras. Pena, pois é impressionante o efeito que um bom sistema de iluminação urbana e ambiental cênica (nem sei bem se é esse mesmo o nome) proporcionaria ao belo monumento, valorizando-o ainda mais. A sua escuridão faz-me pensar e tentar, mesmo que em breves palavras, resgatar a sua história. De fato, a sombria imagem da Balança surpreendeu-me ou, para usar um termo bem baiano, “me balançou”.

Não sei quem seria o responsável por dar luz à Balança, mas, às vezes, são necessários pequenos gestos e toques para grandes resultados. Entretanto realmente vale a pena visitar o CAB e conhecer a beleza e a funcionalidade da sua arquitetura. A Balança, mesmo não iluminada, sem dúvida, é um cartão-postal da cidade de Salvador que nunca perderá seu encanto.

Desde que comecei a trabalhar no CAB, há quase 30 anos, passei a admirar a integração harmônica do concreto com o verde – provando que o desenvolver se conjuga com o preservar –, a agradável vista para o mar, o encanto do monumento da Balança e também passei a refletir sobre o que ela deveria significar para todo homem público.

Razões pela qual observo com certa ressalva e, por que não dizer, com um pouco de receio, quando se utiliza esse importante espaço (ruas e jardins do CAB) para os mais diversos tipos de eventos, tais como palco para a gravação de CDs, cultos religiosos, corridas de automóveis [...] Contudo, como o CAB é espaço do povo, toda forma que objetive atrair a visitação pública para esse local acaba sendo válida, pois, para cobrar, é preciso conhecer.

Porém, como é bíblico o saber de que há tempo para tudo, acredito também que para tudo há seu lugar.

Mas, voltando ao cerne deste artigo, a Balança do CAB, até onde sei, foi concebida para funcionar como auditório, um pequeno cinema e ser o museu da história do Centro. Sinceramente, não sei o porquê de não funcionar assim. Portanto, somente posso sentir pena e me lamentar.

Como se sabe, a palavra balança é associada, no senso comum, ao instrumento utilizado para pesar. Todavia possui outras acepções, tais como equilíbrio, isenção, equidade, harmonia, imparcialidade, ponderação, espírito reto e símbolo da justiça, para que o direito seja bem pesado na sua aplicação.

Penso que foi deveras pertinente a escolha desse monumento para marcar a entrada do Centro, onde as principais decisões políticas e administrativas do Estado devem ser tomadas, pois os dois pratos em equilíbrio exaltam a conduta que precisa pautar a labuta diária de todo homem público, que deve ser sempre independente, justa, correta, ética, íntegra e voltada para o social. Uma verdadeira postura de servidor.

Em arremate, a Balança, que por ser uma verdadeira obra de arte e por ser digna de se ver iluminada, como disse, balançou-me. Ao posicionar-se estrategicamente na entrada do Centro, assim quero crer, funciona como um farol para que os gestores públicos, no seu dia a dia de trabalho, utilizem-na como um verdadeiro norte e balizador e para que não se sintam balançados e tentados a ouvir “os cantos das sereias”. Agindo sempre ex aequo et bono (segundo a equidade e o bem), conforme a razão e a justiça.