Jolivaldo Freitas

O juiz, os ladrões e o STF

Nestes tempos de mensalão e em que ladrão de galinha é coisa distante e já nem fala nisso, vejo a face do ministro do STF Joaquim Barbosa, nos dias atuais, e leio nela uma certa decepção. Ele, com certeza, ainda não jogou a toga no chão e foi para casa, para não parecer mais drástico do que é. 

Mas tenho certeza que na primeira grande crise das suas hérnias, não vai pensar duas vezes e deixará a corte ao seu destino. Até o povo brasileiro parece ter entregue o mensalão à sua própria sorte. Lembre que o então ministro Adaucto Lúcio Cardoso, do STF, agiu desta forma, quando Médici mandou lei para ser aprovada em busca da censura à expressividade. Jogou a toga. E se foi em protesto.
 
Então me veio à mente uma história interessante sobre um juiz, não lembro em que cidade, que recebeu um caso para julgar e que se saiu de forma surpreendente e muito interessante. Aliás, antes de contar este caso vou contar dois bem mais simples, um que virou folclore e ninguém sabe se é mito ou ocorreu mesmo com Ruy Barbosa (assim mesmo, com Y como ele grafava o nome), o chamado Águia de Haia e que também não lembro o livro onde li e nem o autor, mas se ele se manifestar, claro que revelarei a fonte e já peço desculpas.
 
Dizem que certa noite Ruy Barbosa acordou com um barulho estranho no quintal de casa, pegou a bengala e quando chega lá estava um ladrão carregando suas galinhas. Ele interpelou o larápio e foi tanta prosopopéia, tantas palavras difíceis, um vocabulário ofensivo mas tão culto que o parvo nada entendia. Daí, quando Ruy Barbosa parou para respirar o ladrão assustado aproveitou e perguntou:
 
- Doutor. Me desculpe, não estou a entender. É ou não é pra levar as galinhas?
 
A outra história aconteceu quando eu fui convidado para trabalho no Jornal do Brasil. Um homem tinha acabado de matar um aposentado e fui ao bairro onde fiz a cobertura e fiquei pasmo com o motivo do crime. 

Tinha sido simples: ele ganhara um roupão de seda, presente da mulher e decidiu aparecer na porta de casa trajando a veste. O vizinho perguntou que roupa era aquela e ele disse que se tratava de um robe de chambre. O cara caiu na gargalhada e disse que era coisa de veado. O homem foi lá dentro, pegou a faca e estripou o idoso piadista.
 
Tempos depois foi julgado e absolvido. O juiz (os jurados) aceitou a tese de que um homem que usa roupão de seda não pode ser violento e aquilo tinha sido em defesa da honra. A situação virou tempestade quando o advogado de defesa disse que o criminoso era um homem sensível; e no pleno o cliente não gostou do argumento da defesa e gritou que não era boiola, não! Deu trabalho segurar a figura.
 
Agora vem a história que citei lá em cima. Certa vez – e isso faz tempo - um juiz de Direito do município de Palmas recebeu a incumbência de julgar dois homens que roubaram duas melancias. Olha o que o juiz argumentou em texto da sentença:

“...o promotor de Justiça opinou para manter os ladrões na prisão. Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda, Ghandi, o direito natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio, o princípio da intervenção mínima, o princípio do chamado direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição áliberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na “Universidade do Crime” ( o sistema penitenciário nacional)...
    
Poderia sustentar que duas melancia não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95 por cento da população sobrevivendo com o mínimo necessário. 

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização eurpeia...Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iaquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aó, cadê a justiça nesse mundo?
   
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades, que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão para decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados e quem quiser que escolha o motivo”. Estava certo. Que jeito?