Jolivaldo Freitas

Economizando no ovo

A gente vê que a crise está para valer quando percebe que até os restaurantes tentam enganar, iludir, fazer prestidigitação no prato que é servido. Ou mesmo quando vemos irmãos saindo no tapa contra irmãos por causa de um ovo e fica valendo a filosofia do farinha pouca meu pirão primeiro.

Venho observando já há algum tempo que alguns restaurantes foram mudando, gradualmente, os condimentos e os elementos que sempre compuseram sua gastronomia. Também passaram a ter outro tipo de status e assim se aproveitam do cliente baiano que não liga para nada e aplicam o 171 no geral, de forma irrestrita e ninguém questiona.
 
Lembro que nos anos 1970 só havia um restaurante chinês em Salvador. Era o famoso Tong Fong – que de vez em quando a vigilância ia lá e fechava por uns dias por causa da sua criação particular de baratas na cozinha e que sempre levava a pecha de oferecer cachorro no lugar da carne de vaca – e o Tong Fong era tão barato que dava até vergonha levar namorada recém-conquistada para jantar por lá.
 
Lembro que se o cliente pedisse um rolinho primavera, uma pãozinho, um porco doce-azedo e a sobremesa farta de maçã caramelada, em termos de hoje (juro, pois acabo de fazer as contas e atualizar para nossa realidade do Real – perdoe o trocadilho mas foi inevitável, como diria o famoso poeta baiano Bel Machado, emérito trocadilhista) tudo não sairia por mais de quinze reais, já incluindo a cerveja ou refrigerante. 

O saquê é que era caro pois o Brasil não fabricava e ele vinha mesmo da China numa época em que importar qualquer coisa era coisa de endoidecer qualquer empresário.

Hoje um jantar para casal sai por quase cem reais. E agora vem a constatação. Antigamente no cardápio constava que era carne de vaca ao molho shoyo. Era de vaca mesmo. Hoje a carne é de boi, de segunda e amolecida no pó da Maggi. 

Mesmo assim a carne vem soterrada em pedaços de cebola, pimentão e vagens. Mas o pior é que antes quando você pedia a carne com broto de bambu, vinha broto de bambu. Os chineses assimilaram rapidamente o jeitinho brasileiro e conseguiram transformar até tira de mamão em broto de bambu. Acredite!
 
O pãozinho ao vapor, que era a obra-prima da cozinha chinesa trazia em seu interior a mais pura carne. Não era moída, era macerada. Hoje é carne moída misturada com soja e mais outras coisas que não consigo identificar. 

Mas o pior é ver ao que foi reduzido o arroz chop suey, que vem a ser o mais clássico da cozinha chinesa. Ainda lembro a receita de antigamente no Tong Fong:

Arroz cozido
Presunto magro cortado em cubos pequenos
Camarão cozido
Sal
Glutamato monossódico
Talos de cebolinha verde em rodelas
Ovos mexidos
Óleo de soja
Cebola picadinha
Cenoura em cubos pequenos
 
Pois pedi o chop suey e, pasme, veio arroz, um monte de cenoura, cebolinha mais ou menos, presunto em pouca quantidade, camarão um ou outro e o mais graves: uma colher de sopa de ovo mexido. Os chineses estão economizando ovo. Pegam um ovo e divide em quatro partes e colocam sobre o arroz para enganar o trouxa.
 
Isso é sinal de crise econômica, com certeza. Lembro que há algumas dezenas de anos passando por Ribeira do Pombal apreciei a criatividade de uma mãe que só tinha um ovo para dar aos filhos. Fiquei esperando para ver como ela iria dividir um ovo para cinco pessoas e ela foi sábia. Colocou água para ferver, jogou sal e depois farinha e fez um pirão imenso e só depois quebrou o ovo, jogou por cima e misturou. Enganou os meninos e a fome dos meninos.

Os restaurantes chineses de Salvador estão mesmo economizando no ovo e no óleo, mas aditivando na conta. Vou voltar ao velho pão com ovo com Qsuco de morango. Ô miséria!