Jolivaldo Freitas

Samu é rara coisa que deu certo no Brasil

Soube ontem que em Feira de Santana um cidadão que sofreu mal estar no meio da avenida foi socorrido pela equipe do Samu. Quando acordou parece que viu o Diabo e saiu chutando o enfermeiro, dando catiripapo, mata-leão e dedada. O enfermeiro reagiu: “Dedada, não seu estupor”. Mas o cara soltava a porrada e o enfermeiro se retou:
- É assim, cabrunco? Se pique!

E jogou o cara - que estava mais doido que doente da cuca -, da ambulância para fora. Daí o assunto virou fofoca na cidade. Umas pessoas acham que o enfermeiro fez certo, pois onde já se viu ir prestar um socorro, dar uma ajuda, oferecer um adjutório e o beneficiado tratar seu benfeitor com violência, deseducação e falta de modos.

Outra parte da cidade acha que o doente estava certo em sair dando chute para tudo que é lado e acima e abaixo, levando-se em conta que apagara e quando voltara à realidade estrava num ambiente estranho, diferente, com gente estranha o manuseando, vá lá saber passando a mão aonde. Coisa da urgência.

Já imaginou nos tempos de hoje de tanta violência você acordar num lugar nunca visto e com um macho sobre você? Ou é roubo, tentativa de homicídio ou estupro, foi o que o cara deve ter pensado naquele momento e partiu para se defender. E se foi tentativa de reanimação com o barbudo partindo para o boca a boca ainda é de arrepiar o cristão desacordado que vai saindo do torpor, entrando no despertamento. 

Visão do inferno.
Quem defende o socorrido diz que faltou preparo do enfermeiro. Primeiro porque não levou em conta as normas que determinam ser necessário, antes do atendimento médico ou paramédico, amarrar na maca a vítima, que é justamente para evitar que quando acorde faça alguma besteira.

Mas é verdade. Conversando com socorristas certa vez, eles me confidenciaram que em boa parte das vezes a pessoa desmaia, seja por causas normais ou por bebedeira e drogas e quando acorda a primeira coisa que faz é querer se mandar, sair correndo por não saber onde está, como está e para onde vai. Acredite que boa parte começa a ter tremedeira. Outra parte começa a chorar e tem uns frouxos que quando entram na ambulância vêm a injeção chegando e começam a chamar pela mãe.

Eu acho que o Samu é das raras coisas que deram certo neste Brasil e que o serviço deveria ser estendido para todos os municípios brasileiros, vez que apenas aqueles que possuem mais de 200 mil habitantes (ou seriam 100 mil? Não lembro mais) têm direito ao sistema. Como o brasileiro é mesmo solidário, embora pareça mais ser escroto e sabe dar um jeitinho, o Samu ultrapassa as divisas territoriais entre os municípios, por conta própria e solidariedade entre os prefeitos.

Um exemplo que posso dar, por saber e ter apreciado, é o Samu existir em Coité e sair em desabalada carreira para atender acidente nos municípios próximos, como Retirolândia ou Santaluz. Basta apenas que o acidentado tenha paciência para esperar uns 40 minutos e não queira morrer antes disso, uma vez que tem vítima que fica na maior pressa de entrar na luz para ver Deus, sendo que na maioria das vezes encontra mesmo é com Belzebu. Ainda mais se for político. Se esperasse um pouco... mas não. 

Quer que a ambulância crie asas e voe sobre as estradas esburacadas, atropele os animais soltos ou mande pro beleléu os motoqueiros que infestam hoje todos os cantos.
Considero, no entanto, o pessoal do Samu uma caravana de abnegados, até certo ponto heróis, reconhecendo eu que muitas das vezes cometem alguns erros e já perdi um amigo por causa do improviso. Mas é fatalidade e na maioria das vezes acertam e salvam.

Por exemplo, semanas atrás uma família moradora da Barra fez questão de ir para os meios de comunicação tecer elevados elogios para a equipe CN-09 do Samu de Salvador, por causa da presteza, profissionalismo, atenção e carinho que dispensaram a uma senhora idosa que havia caído e se estropiada toda. O reconhecimento da família era tanto que classificaram os socorristas como “Anjos da Noite”.

Daí que aparece, vêm uns caras cheio de cana dar sopapo, aú, chute nas partes e dedada lá nele no paramédico... É de desmoralizar o profissional. O que o ele vai dizer aos colegas? E à noiva? E se fica apaixonado? Tem mais é que largar a maca ladeira abaixo. É brincadeirinha.