Jolivaldo Freitas

A calçoleira e o Bahia

Dona Maria da Penha está retada. Não conseguindo autorização para vender seu acarajé na nova Arena Fonte Nova teve uma ideia que considerava boa e deu certo mesmo que foi terceirizar a venda. Chamou duas sobrinhas e a cada uma entregou isopor, deste de vender picolé na rua, ajeitou o produto. Pimenta, caruru e vatapá colocou em potes de vidro. Vendeu tudo. Deixou as meninas se virando e foi ver seu Vitória ganhar do Bahia de forma humilhante.

No jogo do Vitória contra o Botafogo fez a mesma coisa, embora a féria não fosse muito boa. Ontem, as meninas não apareceram e ela teve de se virar como pode. Fez até liquidação de acarajé para não ter de voltar com a produção para casa. Pelo menos o Bahia não ganhou, disse ela se confortando com a miséria dos outros.

Dona Maria da Penha é um exemplo de que boas ideias driblam as dificuldades. Está provado que cada vendedor de sucesso conseguiu chegar lá graças a um método que criou. A depender deste sucesso a experiência pode render mais grana e realizações, caso seja mostrada em palestras, seminários, treinamentos, workshops e internamentos, bastando que a mídia também ajude um pouco. Embora alguns métodos enlouqueçam os clientes, como a persistência da Amiway, que consegue arregimentar uma legião de adeptos que aprendem a vender como loucos; a Avon ou mesmo autores de autoajuda, que ensinam a vender como vender para os bobos.

Mas, tem gente que ainda não foi descoberto pela massa e que faz sucesso na arte de negociar, criando sua própria metodologia. As mães lá do Mont Serrat, nos idos de 60, tinham o maior ódio do vendedor de cana. Ele chegava no bairro justamente na hora em que a garotada estava com a maior fome e vendia a caiana, banana e cocada. Na hora de almoçar ninguém queria comer e o pau comia. O vendedor sabia chegar na hora certa.
Dona Célia da Penha, mãe da |Maria da Penha, vendedora de acarajé afamada, já tinha a manha, coisa que a filha herdou além do talento para acarajé, abará e punheta. Chegava com seu Tabuleiro, via para onde o vento estava soprando e botava o bicho para fritar. Quando o cheiro se espraiava fazia fila. Era danada.

Outra danada era dona Eliene Barbosa. Ela descobriu que vender calcinhas de náilon naqueles tempos de calçolão de pano e califon era uma boa e podia dar grana, mas viu também que era preciso achar um jeito de expor os seus produtos sem o qual seria difícil convencer as mulheres de que elas ficariam sexy.

Mas Eliene era exagerada desde os tempos em enfrentando preconceitos trabalhou numa construtora. Quando fazia orçamento para uma estrutura, se precisava de verba para duas vigas, por medida de segurança ela queria logo quatro vigas, que é para a obra não ir ao chão. Tão exagerada que, por ser uma excelente dona de casa, orgulho de mãe e do marido, costuma cozinhar para um batalhão quando ia apenas servir à dois.

Até hoje gasta um frasco de Limpol para limpar uma boca do fogão e uma caixa de Omo para lavar uma toalha. Também, ela adora serviço doméstico. Pior é quando convida algum amigo para comer em sua casa ou de parentes, faz paneladas de feijão e toneladas de carne. O convidado sai tão embuchado que nem consegue andar.

E foi numa dessas que Eliene decidiu que iria vender algumas calcinhas para quem estava presente. Olha que todo mundo: velho, menino, cachorro, passarinho e mulher, em plena tarde modorrenta de domingo, tinha comido tanto feijão que já não se aguentava.

A casa estava cheia de mulher e apenas três homens, sendo um deles seo Wellington Silva, servidor da Justiça do Trabalho. O velho estava falando de futebol, de comida, de netos quando a moça entra na sala, trazendo como mostruário o próprio corpo. Entrou na sala, deu uma volta, conversou, mostrou como a calcinha caia bem e sentou no chão.

As pessoas presentes viram que seu Wellington, que até aquele momento estava disperso, de repente olhou fixo para um lugar e ficou paralisado, anestesiado, vidrado. Ele descobrira que a calcinha que Eliene usava tinha uma falha. Estava rasgada, com uma abertura onde não devia ter abertura. Hoje algumas já vem assim de fábrica.

O velho, na altura dos seus 70 anos, viúvo há milênios, sem ver aquilo de perto há tanto tempo ficou com o corpo parado no sofá e o espírito na abertura da calcinha de Eliene. De repente o homem voltou a si e decidiu: comprou todas as calcinhas da moça. E apenas exigiu que ele demonstrasse, uma por uma como ficava no corpo. Enquanto isso dona Didi, que se fazia de assistente de Eliene, saiu para providenciar Maracujina e uma UTI Móvel para o velho que de tão feliz distribuiu calcinhas até no HGE. Eliene agora está buscando um local para fazer workshop do seu método revolucionário de venda.

Tomara que não queira fazer “degustação” na Arena Fonte Nova. Aí é que o Bahia não ganha nunca mais.