Guia da Tribuna

Calígula: a tragédia da inteligência

“Calígula traz uma compreensão de que ninguém pode salvar-se sozinho, nem pode ser livre a custa dos outros”. Essa é a definição do Prêmio Nobel de Literatura, Albert Camus, autor da obra que narra a história do jovem imperador romano Calígula ou Gaius Caesar Germanicus, conhecido pela sua natureza extravagante e algumas vezes desumana. A peça, dirigida pelo diretor Gabriel Villela, será encenada na capital baiana, no Teatro Castro Alves, nos dias 2, 3 e 4 de julho, com Thiago Lacerda, Cláudio Fontana, Magali Biff, César Augusto, Pedro Henrique Moutinho, Rogério Romera e Helio Souto Jr.

Terceiro imperador romano entre 37 e 41, Calígula irrompe em cena após a morte de sua irmã e amante Drusila. Ele decide levar o absurdo às últimas consequências, destruindo todos os alicerces da sociedade: família, religião, moralidade e o tesouro público. No seu novo programa de vida é preciso ser lógico até o fim, a todo custo - e sua descoberta do que acarretará como sendo a verdade absoluta - os homens morrem e não são felizes. A montagem venceu o Prêmio Contigo 2009 de melhor espetáculo e melhor ator (Thiago Lacerda).

“Estava meio em crise, me questionando. Queria buscar coisas novas, vasculhar espaços e caminhos. Calígula me resgatou esse tesão”,  contou o ator Thiago Lacerda, lembrando o orgulho que sentiu ao ser convidado por Villela para protagonizar o espetáculo

Ao espectador atento, o texto sintetiza com eficácia outros traços da figura do imperador: a lucidez, a tristeza, uma envergonhada ternura, o remorso pelo amor perdido, a espantosa solidão, o desencanto e a ferocidade, dos quais afloram a medida de uma grandeza humana que, por mais enlouquecida que seja, não pode deixar de nos maravilhar. É significativa, neste sentido, uma breve passagem do IV ato, na qual o filósofo Cherea declara aos senadores, já decididos pela conspiração, a matar Calígula: “Reconheçamos, ao menos, que este homem exerce um inegável poder sobre as outras pessoas fazendo-as pensar”.
 
Montar o texto de Camus é um projeto acalentado há mais 20 anos pelo diretor Gabriel Villela, desde os tempos da faculdade. No entanto, ele esclarece que não se trata de uma reinvenção ou de uma reprodução do polêmico filme dos Anos 70, classificado como pornográfico e que não é uma adaptação da obra de Camus.

 “Camus não usou destes argumentos para escrever. Ele estava preocupado com valores muito virtuosos. A obra de Camus apenas insinua cenas de sexo entre Calígula e as mulheres dos patrícios romanos”, disse o diretor, referindo-se a montagem da peça, que ainda segundo ele, é ainda mais sutil quando se trata de homosexualidade.

Thiago Lacerda não ficará nu em cena. A decisão foi tomada em comum acordo entre ator e diretor. “Não existe a possibilidade de tirar a roupa de ninguém em cena. O único momento que talvez deixasse uma brecha para isso seria a cena grotesca na qual Calígula finge-se de Vênus (quando ele atenta contra a religião). Imagino que tenha sido nesta hora que Edson Celulari, na montagem de 1990, ficou nu. Mas não se trata de ser pudico. Não cabia mesmo. Seria como desnudar Hamlet para mostrar os predicados do ator. Edson ficou nu em um momento que talvez isso fizesse sentido”, justificou Gabriel.