Quem paga a conta de tudo
Como o dinheiro sai do bolso do cidadão e retorna à sociedade -- nem sempre com a transparência e eficiência esperadas
(ILUSTRAÇÃO: DREAMINA IA)
TODOS OS ANOS, milhões de brasileiros pagam impostos em diferentes formas: na renda, no consumo, no patrimônio. Segundo o IBPT-Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação foram mais de R$ 3,5 trilhões nos primeiros 11 meses de 2025. Desse montante, cerca de 60% são impostos, enquanto o restante vem de contribuições sociais e outras fontes, extraído de salários, compras, propriedades e empresas.
Mas para onde exatamente vai esse dinheiro? E quanto dele retorna, de fato, ao cidadão em forma de serviços essenciais? A resposta passa por um caminho que começa na arrecadação e termina, idealmente, na oferta de serviços como saúde, educação, mobilidade urbana e segurança pública.
Por que pagamos impostos? Como eles surgiram?
Esta reportagem especial mostra como funciona o ciclo do dinheiro público no Brasil -- da arrecadação à execução orçamentária -- e como o cidadão pode acompanhar e cobrar a aplicação eficiente desses recursos. O objetivo é desmistificar um processo muitas vezes visto como opaco, revelando sua estrutura, suas falhas e suas promessas.
Como os impostos estão embutidos nos preços dos produtos?
Quando você compra qualquer produto -- uma garrafa de água, um pão, uma camiseta ou um celular -- o valor pago já inclui impostos, mesmo que isso não apareça claramente na nota fiscal. Isso é o que chamamos de impostos embutidos.
Significa que o preço final de um produto já vem com os impostos incluídos. O consumidor paga esses impostos sem perceber diretamente, porque eles não estão destacados de forma separada na etiqueta do produto ou no recibo.
No Brasil, a maioria dos impostos sobre o consumo, como é o caso do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e do PIS/Cofins (contribuições sociais sobre o faturamento), são pagos pelas empresas, mas elas repassam esse custo para o consumidor. Ou seja, elas incluem o valor do imposto no preço final do produto ou serviço.
Exemplo prático - Imagine que uma fábrica produza uma garrafa de suco e venda para o supermercado por R$ 5. Mas, nessa venda, a empresa paga R$ 1,50 em impostos. Para não ter prejuízo, o supermercado coloca esse custo no preço. Resultado: O consumidor compra a garrafa por R$ 6,50 ou R$ 7, sem perceber que quase R$ 2 são só de impostos.
Em alguns casos, os impostos podem representar mais da metade do valor total de um produto. É o caso dos perfumes (69% do preço são impostos) e da cerveja (55% do preço). Quando você coloca R$ 100 de combustível em seu carro, R$ 44 são impostos. Na compra de eletrodomésticos o consumidor paga 40% e no caso de roupas 34%.
Fica difícil você saber quanto paga por mês, já que isso não é informado de forma clara.
Em países como os Estados Unidos, os impostos geralmente são cobrados separadamente no caixa, o que torna o processo mais transparente.
(ILUSTRAÇÃO: IBPT)
Como saber quanto você paga?
No momento em que o consumidor empurra o carrinho entre as gôndolas do supermercado, muitos fatores invisíveis pesam mais do que o peso dos produtos: os tributos embutidos ao longo da cadeia produtiva. Pouco visíveis, mas muito presentes, os impostos indiretos e cumulativos estão em praticamente todos os itens consumidos no dia a dia -- e afetam principalmente quem ganha menos.
Para ilustrar como os impostos se acumulam, vejamos o exemplo de um simples pão francês:
-- Trigo – O agricultor vende o trigo para um moinho. Nessa transação, incidem ICMS, PIS e Cofins.
-- Moinho – O trigo é transformado em farinha. Ao vender para a padaria, há nova incidência de tributos.
-- Padaria – Usa farinha, água e energia elétrica (também tributadas), emprega trabalhadores (com encargos) e vende o pão já com nova carga de ICMS, além dos custos anteriores.
-- Transporte e energia – Todos os insumos utilizados no processo também carregam impostos embutidos.
Ao final, o preço do pão carrega tributos acumulados em cada etapa da cadeia, sem que o consumidor perceba. Essa estrutura é chamada de cumulativa porque os impostos se sobrepõem sem dedução adequada do que já foi pago antes.
Impostômetro
Organizações como o IBPT criaram ferramentas como o "Impostômetro", um painel digital que mostra, em tempo real, quanto os brasileiros já pagaram em impostos.
Alguns supermercados e lojas também usam etiquetas com a frase: “Este produto tem x% de imposto embutido”, como forma de conscientização.
Os impostos são a principal fonte de receita dos governos. Eles são cobrados de pessoas físicas e jurídicas para financiar bens e serviços públicos -- como saúde, educação, transporte, segurança, infraestrutura, meio ambiente, cultura e previdência social.
Segundo o IBPT, o Brasil possui atualmente mais de 90 tributos diferentes, embora a arrecadação esteja concentrada em poucos impostos, como:
-- Imposto de Renda (IR) – incide sobre salários e lucros
-- ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – cobrado nos estados, presente em quase todas as compras
-- IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) – incide sobre a produção
-- ISS (Imposto Sobre Serviços) – de competência municipal
-- INSS (Previdência Social) – contribuição para a seguridade social
-- IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores)
-- IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana)
Esses tributos são pagos diariamente: em compras no mercado, no abastecimento do carro, no salário descontado, na fatura de energia ou na declaração anual de renda.
(ILUSTRAÇÃO: GROK IA)
Como o dinheiro volta para a população
Veja como os impostos arrecadados financiam serviços essenciais:
Saúde - O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior sistema de saúde pública do mundo, e atende mais de 190 milhões de brasileiros. Em 2024, o Ministério da Saúde teve orçamento de R$ 160,3 bilhões. Esse recurso é usado para financiar hospitais, exames, cirurgias, vacinação, compra de medicamentos e programas como o Mais Médicos. Municípios também recebem transferências federais para manter Unidades Básicas de Saúde (UBSs), UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e campanhas de prevenção.
Educação - A educação é financiada por todas as esferas: União, estados e municípios. O orçamento federal da educação em 2024 foi de R$ 150,7 bilhões. Programas como PNAE (alimentação escolar), PNLD (livros didáticos) e FIES (financiamento estudantil) são mantidos com recursos públicos. O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) é o principal mecanismo de redistribuição de verbas entre redes de ensino. Universidades públicas como a USP, UFBA, UFMG e UFRJ são mantidas com dinheiro do contribuinte.
Segurança Pública - Em 2023, o Brasil gastou R$ 111 bilhões com segurança, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Estados mantêm as polícias militar e civil, sistemas penitenciários e programas de inteligência. A União investe em Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e políticas nacionais de combate ao crime organizado.
Infraestrutura e mobilidade - Recursos públicos financiam obras de mobilidade urbana, estradas, saneamento e energia. O Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) prevê R$ 1,7 trilhão em investimentos até 2026, sendo parte com recursos do orçamento. Exemplo: a duplicação da BR-116 (Sul), a expansão do Metrô de SP e obras de saneamento no Nordeste.
O que ainda não funciona: desigualdade e má gestão
Apesar da robusta arrecadação, o retorno à população não é proporcional.
Alguns dos principais desafios:
-- Desigualdade regional: Municípios pobres arrecadam pouco e dependem de transferências. Já regiões ricas concentram tributos.
-- Alta carga sobre o consumo: Impostos como ICMS e IPI pesam mais sobre os pobres.
-- Burocracia e desperdício: Falta de planejamento leva a obras paradas e programas ineficientes.
-- Corrupção e desvios: Casos como o “Mensalão”, “Lava Jato” e desvios na área da saúde são exemplos de mau uso dos recursos.