5 produtos revelam os desafios da tributação
Um pão, um remédio, uma passagem de ônibus, um livro e um celular lhe ajudam a entender a progressividade e a regressividade
(ILUSTRAÇÃO: CLAUDE HAIKU IA)
A DISCUSSÃO SOBRE JUSTIÇA FISCAL costuma parecer abstrata. Termos como regressividade, progressividade e incentivos tributários circulam no debate público, mas raramente se conectam ao cotidiano de quem acorda cedo, trabalha, consome e usa serviços essenciais.
Progressividade é quando quem pode pagar mais, paga proporcionalmente mais.
A lógica é simples: pessoas com maior renda ou maior patrimônio contribuem com uma parcela maior de seus recursos para o financiamento do Estado.
Isso acontece, por exemplo, no Imposto de Renda. À medida que a renda aumenta, a alíquota também aumenta. Assim, o esforço fiscal é distribuído de forma mais justa, porque considera a capacidade contributiva de cada pessoa.
Em termos práticos: Se duas pessoas pagam imposto, mas uma ganha muito mais do que a outra, a progressividade faz com que a pessoa mais rica pague uma parte maior de seus ganhos, evitando que o peso do imposto seja injustamente concentrado nos mais pobres.
Regressividade é o oposto da progressividade.
Ocorre quando quem tem menos renda acaba pagando, proporcionalmente, mais do que quem tem mais renda.
Isso acontece principalmente em impostos sobre consumo, que estão embutidos no preço de produtos e serviços. Todos pagam a mesma alíquota, independentemente da renda.
Em termos práticos: Quando uma pessoa pobre e uma pessoa rica compram o mesmo pão ou o mesmo gás de cozinha, ambas pagam o mesmo imposto. Só que esse valor pesa muito mais no orçamento da pessoa pobre. Por isso, o imposto é considerado regressivo, isto é, ele aprofunda desigualdades em vez de reduzir.
Em resumo
Progressividade: quem ganha mais, paga proporcionalmente mais. Ajuda a reduzir desigualdades.
Regressividade: todos pagam a mesma alíquota, mas quem ganha menos sente mais no bolso. Pode aumentar desigualdades.
Esses dois conceitos são fundamentais para entender como a estrutura tributária de um país pode promover justiça social ou, ao contrário, ampliar disparidades.
Para compreender como os impostos moldam a vida social e econômica, basta observar cinco objetos comuns: um pão, um remédio, uma passagem de ônibus, um livro e um celular. Cada um deles revela, de forma prática, como o desenho dos tributos pode reduzir desigualdades ou ampliá-las.
1. O pão
A porta de entrada para entender a tributação sobre consumo
O pão, item básico da mesa do brasileiro, é um símbolo da centralidade dos impostos indiretos. Ao comprá-lo, o consumidor paga tributos embutidos no preço final. Eles incidem da mesma forma sobre todos, independentemente da renda.
Esse mecanismo ajuda a ilustrar o conceito de regressividade. Como o tributo pesa proporcionalmente mais para quem ganha menos, o pão se torna um termômetro da desigualdade tributária: o impacto do imposto no orçamento de uma família de baixa renda é significativamente maior que no de uma família de renda alta.
O pão permite visualizar como a estrutura baseada em tributos sobre consumo tende a concentrar esforço fiscal nos que têm menos capacidade contributiva. É nesse ponto que o debate sobre justiça fiscal costuma começar.
2. O remédio
A exceção que explica os incentivos
Enquanto o pão mostra a regra, o remédio revela a política de exceções. Por razões de saúde pública e proteção social, medicamentos costumam receber desonerações parciais ou totais. São incentivos tributários destinados a reduzir o preço de produtos essenciais e corrigir distorções da regressividade.
A lógica é simples: ao aliviar a carga sobre itens obrigatórios para a sobrevivência e o bem-estar, o sistema busca promover equidade. Essa escolha demonstra como a política tributária também é uma política social.
Os remédios evidenciam que benefícios fiscais podem ser instrumentos de justiça, desde que focalizados em bens essenciais e avaliados com transparência.
3. A passagem de ônibus
O retrato das políticas públicas e da capacidade contributiva
O transporte coletivo sintetiza o entrelaçamento entre tributos, serviços públicos e desigualdade. A passagem de ônibus, em diferentes cidades do país, embute custos variados: combustível, manutenção, mão de obra e, em muitos casos, tributos incidentes sobre insumos.
Quando o sistema tributário eleva esses custos e eles são repassados ao usuário, o peso recai sobre quem mais depende do transporte público. Por isso, políticas de desoneração e subsídios costumam ser debatidas como ações de justiça fiscal.
A passagem mostra como a tributação influencia diretamente o acesso à mobilidade, à educação, ao emprego e à própria cidadania.
4. O livro
A expressão da progressividade simbólica e do investimento no conhecimento
O livro é um marco histórico das discussões sobre justiça fiscal. Itens associados à educação e à difusão do conhecimento têm sido tradicionalmente isentos ou tributados de forma reduzida em diversos países, incluindo o Brasil.
A lógica aqui é distinta da simples desoneração: trata-se de um incentivo estratégico. Ao facilitar o acesso ao conhecimento, o Estado colabora para a formação de capital humano, reduz barreiras culturais e promove oportunidades.
O livro recorda que um sistema tributário não se resume a arrecadar recursos. Ele também orienta prioridades nacionais, estimulando práticas que contribuem para o desenvolvimento social.
5. O celular
Tecnologia, renda e o impacto desigual dos tributos sobre bens duráveis
O celular é hoje um instrumento de trabalho, estudo e inclusão digital. Ao mesmo tempo, é um dos produtos que expõem a complexidade da tributação sobre bens duráveis.
Esses itens costumam concentrar impostos elevados, refletindo políticas industriais, interesses fiscais e cadeias de produção variadas. Embora possam ser associados a maior capacidade contributiva, a realidade social revela que pessoas de baixa renda também dependem desses dispositivos para acessar serviços essenciais.
Assim, o celular ajuda a demonstrar como tributos sobre tecnologia podem reforçar desigualdades quando se tornam uma barreira ao acesso digital, especialmente em um país marcado por contrastes sociais.
Cinco objetos, um debate central
Ao observar um pão, um remédio, uma passagem de ônibus, um livro e um celular, torna-se possível compreender como diferentes tributos interagem com o cotidiano, moldam comportamentos e influenciam oportunidades.
Esses cinco objetos revelam que justiça fiscal não é um conceito distante. Ela se materializa no preço de bens essenciais, no acesso a serviços, na possibilidade de estudar, trabalhar e circular pela cidade.
A discussão sobre progressividade, regressividade, incentivos e desigualdade, quando traduzida em elementos concretos, permite uma compreensão mais clara do papel dos tributos na construção de um país mais equilibrado. É nesse ponto que o jornalismo se torna fundamental: aproximar o cidadão de temas que afetam diretamente sua vida e sua capacidade de projetar o futuro.