Opinião

Salvador ganha seu primeiro planetário

Confira o que você encontra e o que pode fazer no planetário

Foto: UFBa
Primeiro planetário de Salvador

“Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo”, são os primeiros versos de um clássico referente a um inigualável gênero musical brasileiro denominada baião. Trata-se de um primor de canção da pena de Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 - 1989), cantor e compositor brasileiro, e José Fernandes, que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) atribui a José Fernandes de Carvalho (1925 - 1979) compositor e maestro de talento. Lançada em 1951, este hino junino trata de duas paixões: a de um amor do passado, tão belo quanto o firmamento estrelado numa noite de inverno, emoldurada por um balão a subir os céus.

A nostalgia da cantiga trata de uma lembrança amorosa pautada pelo ritmo compassado da zabumba, da sanfona e do triângulo que, ao tilintar, mimetiza o brilho das estrelas. Tal canção toca ao músico e ao poeta de modo similar ao que ocorre no coração de um cientista.

A observação cuidadosa dos céus é uma ciência das mais antigas e intrigantes, primeiramente feita a olho nu, e com o passar dos séculos, com instrumentos cada vez mais potentes a destrinchar os detalhes do universo, como telescópios e outros intrigantes instrumentos cada vez mais precisos. Astrônomos(as) em todo o mundo perdem boa parte de suas noites (e também dias) a observar os astros, tais como galáxias, constelações quasares, nebulosas, sóis, luas e mesmo planetas candidatos a habitar vidas extraterrestres.

Salvador terá, pela primeira vez, um local especial para observação dos astros, o www.planetario.ufba.br. Situado no portão principal da Universidade Federal da Bahia, no bairro de Ondina, que abriga boa parte dos trios elétricos das grandes estrelas da música brasileira durante o carnaval, e no restante do ano diversas mentes brilhantes, tanto de discentes quanto docentes, agora servirá de espaço para a leitura e contemplação dos céus.

Modernos equipamentos projetam imagens de altíssima resolução a reproduzir os céus bem como diversos outros eventos cósmicos numa cúpula de 11 metros de diâmetro e 180 m2 de área construída, contando ainda com excelentes efeitos sonoros, onde até 85 visitantes por sessão poderão se sentar em confortáveis cadeiras reclináveis.

Telescópios de precisão estarão disponíveis para observação direta dos astros no ambiente externo, com tutoria de discentes e docentes da universidade. Previsto para funcionar todos os dias, terá sessões tanto para a comunidade universitária quanto escolas – em parceria com as Secretarias de Educação do estado e municípios, além de outras sessões abertas ao público.

O espaço foi concebido pelo escritório Charão Arquitetura e Urbanismo, consistindo de duas espirais fibonaccianas, em homenagem ao matemático italiano Leonardo Bonacci (c. 1170 - 1242), nascido em Pisa, mais conhecido como Bigollo (que significa algo como “caixeiro-viajante”), ou ainda Fibonacci ("filho de [Guglielmo] Bonacci” (c. 1150 - ?), importante mercador e diplomata na cidade de Pisa), que escreveu a obra “Liber Abaci” ("Livro dos Cálculos”) em 1202. A cúpula dourada faz parte de uma das espirais, enquanto a outra situa-se no observatório externo.

O espaço somente foi possível a partir da doação do advogado, escritor e astrônomo amador Francisco Lacerda Brito (c. 1973), graduado pela UFBA.

Tal espaço contará com a tutoria do Instituto de Física da UFBA (www.fis.ufba.br), do Instituto de Astronomia Brito Castelo Branco (IABCB) e da Associação dos Astrônomos Amadores da Bahia (AAAB).

Cada espiral de Fibonacci pode ser construída a partir da sequência de números 1, 1, 2, 3, 5, 8... onde cada termo corresponde à soma dos dois anteriores. Para desenhar tal espiral, basta delinear quadradinhos onde cada lado representa unidades de 1, 1, 2, 3, 5, 8... e assim por diante, dispostas de modo espiralado. Para tanto, pode-se iniciar desenhando dois quadradinhos de lado unitário, 1 e 1, juntos. Dentro de cada quadrado pode-se usar de um compasso e desenhar um arco de lado unitário, e assim construir um semicírculo.

A partir destes dois quadradinhos, o próximo, de lado 2, pode ser desenhado, contiguo aos dois primeiros. Um arco de lado dois pode ser conectado em sequência aos dois primeiros. O quadrado de lado 3 pode ser construído a partir dos quadradinhos anteriores, também desenhado lado a lado. Pode-se aproveitar e desenhar um arco de lado três em sequência aos arcos anteriores, formando uma curva aproximadamente espiralada.

Com tecnologia de ponta, tal equipamento público tem potencial de se tornar uma referência nacional tanto em divulgação científica quanto em educação astronômica. Será possível contemplar uma variedade de fenômenos celestes, incluindo crateras lunares, as manchas de Júpiter e suas luas, bem como os anéis de Saturno.

Aulas e palestras de diversos assuntos poderão também ser oferecidas, envolvendo aspectos de engenharia, cinema ou mesmo medicina (entre outras), pois a cúpula serve como uma imensa tela reprodutora de imagens de altíssima resolução, acopladas a um sistema sonoro impecável.

Tal planetário encontra-se ao lado de uma obra de mosaicos inscritos numa gigantesca esfera de fibra de vidro e cimento de 5 m de diâmetro elaborada em 2001 pelo artista plástico brasileiro Alberto José Costa Borba (n. 1957), mais conhecido como Bel Borba, também graduado pela UFBA, a dialogar esteticamente com o próprio planetário. Há também um espaço para se exercitar ao ar livre, com convidativos e simples equipamentos de atividades físicas.

Este novo ponto de encontro para os apaixonados pelo cosmos deverá fomentar e eventualmente incentivar a curiosidade e a paixão pelo desconhecido numa verdadeira jornada imersiva pelo espaço sideral. Ao transportar seus visitantes para os confins do universo, será possível proporcionar uma compreensão mais profunda de diversos conceitos astronômicos, tornando a educação em ciências mais envolvente, agradável e acessível.

Ao adentrar no planetário, quem o visita se depara com o seguinte convite: “vamos conhecer o céu?” Espaços como o planetário da UFBA são necessários para discutir educação, matemática, astronomia e ciências, ou somente para contemplar os mistérios da natureza, numa experiencia única, poética e marcante, apenas olhando para céu.

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Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia