O MAIOR RIO BAIANO

As histórias dos guardiões do maior rio que nasce, cresce e deságua dentro dos limites do estado e do próprio Paraguaçu

 
MAIOR RIO GENUINAMENTE BAIANO 
Caminhos do Paraguaçu

Índios sendo encurralados pelos colonizadores que chegavam, negros vindos da África para serem escravizados, uma mistura de etnias dando novas cores ao Brasil e um rio como testemunha de boa parte dessas mudanças sertão adentro. Conhecer o Paraguaçu é mergulhar na história da Bahia. O maior rio que nasce, cresce e morre dentro dos limites do estado guarda memórias distantes, que remontam à formação da nossa cultura. Do surgimento do garimpo na Chapada Diamantina à guerra pela independência do Brasil na Bahia, o Paraguaçu tem sido cenário de fatos importantes com o passar do tempo e até hoje tem uma importância singular para a vida de milhares de baianos.

A principal característica do Paraguaçu na região de Mucugê são as pedras espalhadas pelo rio. (FOTO: Beatriz Oliveira)
 

Se fosse possível navegar da nascente até a foz do rio, o percurso seria de 614 km. Há quem defenda, porém, que o trajeto da nascente até a foz é menor, com 520 km. Isso porque o local onde o Paraguaçu encontra o mar não é uma unanimidade: para muita gente, o fim do rio é em Maragogipe - onde a água deixa de ser exclusivamente doce e se torna salobra, devido à mistura com a água do mar. Para outros, o rio não termina em Maragogipe e segue seu curso por mais de 90 km, até chegar em Barra do Paraguaçu - último lugar onde ainda existe água doce e em que ainda é possível visualizar o rio no mapa.

Divergências à parte, a navegação seria impossível, já que o Paraguaçu tem seu caminho interrompido em alguns trechos, ora pela presença de pedras e quedas d'água, ora pela seca e pelo assoreamento. Em algumas partes, também é possível percorrer o rio de barco, especialmente no baixo curso, de Cachoeira até a foz, na Baía de Todos-os-Santos.

Ali, no desaguar em Barra do Paraguaçu, a linha fina do horizonte chega a parecer invisível, exceto pelas ondas no fim da tarde que invadem a doçura do Paraguaçu. O céu e o rio se fundem. No pôr-do-sol, os tons de preto, roxo, laranja e amarelo, misturados entre si, são refletidos pela água do rio. O envolvimento entre o Paraguaçu e o mar é tão forte que é impossível distinguir a água doce da salgada.

Em Barra do Paraguaçu, apesar de ser o encontro do rio com o mar, as águas são calmas em boa parte do dia. (FOTO: Beatriz Oliveira)
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Quando vemos tamanha imensidão, mal podemos imaginar que o rio nasce tão tímido, protegido pelas árvores, numa fazenda de Barra da Estiva, na Chapada Diamantina. Como os dedos que se unem em nossas mãos, o Paraguaçu tem várias nascentes que se juntam em um só rio. Os olhos d’água brotam em pequenas poças no meio da mata e, poucos metros depois, tomam corpo e ganham força, formando a pequena, mas primeira cascata do rio.

A primeira cascata do Paraguaçu fica a poucos metros da nascente, ainda em Barra da Estiva. (FOTO: Beatriz Oliveira)
 

No meio do caminho, o “Rio Grande” - significado do nome Paraguaçu - passa pelas mãos de agricultores, garimpeiros, índios, marisqueiras e pescadores. A relação entre os ribeirinhos e o rio começou antes mesmo da chegada dos Portugueses, quando os índios saíam do interior para o litoral baiano em certos períodos para realizar rituais, o que mudou com a presença europeia.

As águas do rio foram o caminho utilizado pelos colonizadores que chegaram ao sertão baiano. Durante a primeira das duas Expedições Guarda-Costas, em 1526, o explorador Cristóvão Jacques “descobriu” o Paraguaçu enquanto tentava combater o tráfico de pau-brasil pelos franceses. Aos poucos, a dominância portuguesa foi afastando os nativos das regiões onde habitavam. A tribo Payayá ocupava toda a extensão do rio e hoje está espalhada pelo interior da Bahia. Uma pequena parte dos remanescentes está na cidade de Utinga e atua como uma das principais protetoras da nascente do rio de mesmo nome, que abastece um dos afluentes do Paraguaçu.

Otto Payayá é um dos membros da tribo. (FOTO: Beatriz Oliveira)
 

Falar sobre este rio tão importante é um convite à geografia. É conhecer os relevos das regiões por onde o rio passa, entre montanhas e planícies. É passear pelas paisagens exuberantes, contemplando a vegetação e entendendo que os caminhos sinuosos do Paraguaçu revelam muito mais do que pode parecer à primeira vista. Suas águas não passam despercebidas por quem está na estrada indo para Andaraí, na Chapada Diamantina. Já na Vila de Pedras, como é conhecida Igatu, pertencente à mesma cidade, facilmente confundimos a areia com água.

As águas avermelhadas que passam por Andaraí são as mesmas de Mucugê, assim como a seca. A diferença entre ambas está na origem dos problemas. Na primeira, o garimpo mecanizado foi o responsável pelo assoreamento do rio, enquanto na segunda o agronegócio provocou o fim de diversos córregos.

O problema da seca no Paraguaçu pode ser encontrado em todo o seu leito. Isso reflete no abastecimento de diversas cidades, já que o rio é o responsável pela água que chega aos moradores de 86 municípios baianos. Existem três barragens ao longo do Paraguaçu: a de Apertado, em Barra da Estiva; a Bandeira de Melo, em Itaetê, e a de Pedra do Cavalo, em Cachoeira. Esta última é a responsável pela água utilizada em 60% de Salvador e Região Metropolitana.

Barragem de Pedra do Cavalo vista de São Félix. (FOTO: Beatriz Oliveira)
 

Acima da barragem, está Cabaceiras do Paraguaçu, cidade onde nasceu Castro Alves, o poeta dos escravos. Bem de frente para o rio, a fazenda onde ele veio ao mundo funciona hoje como um museu que preserva a memória do escritor. Entre as riquezas da cidade, estão as histórias contadas entre as gerações. Do bairro alagado para a construção da barragem à lenda da serpente que come aqueles que pescam no rio à noite, os contos fazem parte da identidade dos ribeirinhos.

A história está por toda a parte do Paraguaçu. Quem pega um barco de Cachoeira até a foz passa por monumentos que foram cenários de acontecimentos marcantes na história do estado. A Rota da Liberdade, que guarda lembranças da escravidão, o Convento de Santo Antônio e o Forte de Santa Cruz do Paraguaçu tiveram papel de destaque na luta pela independência do Brasil na Bahia.

Além disso, as tradições e costumes ribeirinhos, bem como as paisagens, ajudam a criar a personalidade deste rio tão importante para o estado. Da nascente até a foz, escolhemos quatro cantos para representar a imensidão deste Paraguaçu. Nas reportagens a seguir, você vai mergulhar no mar de histórias escondidas entre as águas deste rio de importância singular para o estado. Aqui começa a nossa jornada pelo Paraguaçu. Vamos a pé no início porque o rio ainda não comporta um barco, mas nossa caminhada será muito proveitosa. Prontos para embarcar?