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Resenha: A importância do cinema de rua e dos circuitos alternativos

Para os apreciadores de um bom filme, ir ao cinema é um ritual bastante prazeroso

Foto: Pixabay
Cinema

Ir ao cinema já tem se tornado, para muita gente, um programa pouco comum, ainda mais depois que os streamings invadiram o mercado, com catálogos próprios e dando a oportunidade de assistir aos grandes lançamentos na comodidade e conforto do lar.

Nada contra, é realmente muito bom ter acesso com facilidade a um catálogo diverso de títulos de filmes e séries. Mas, acredito que temos espaço para tudo. Inclusive, acho que as duas mídias não deviam competir, uma vez que a experiência de apreciar filmes na tela grande, na sala escura, é muito mais imersiva e insubstituível.

Para os apreciadores de um bom filme, ir ao cinema é um ritual bastante prazeroso. Escolher o que deseja assistir, acompanhado (ou não!), chegar ao local, sentir aquela atmosfera, pegar uma pipoca ou um café e aproveitar o que está por vir- que pode ser “apenas” um bom passatempo ou uma epifania- é tudo muito significativo, sobretudo, diante de uma obra transformadora.

Se isso acontecer num cinema de rua, então, melhor ainda. Existe um romantismo particular. Na nossa cidade, temos alguns desses locais muito charmosos de resistência da arte, de filmes que precisam de espaço próprio, sem a competição esmagadora e desleal dos filmes blockbuster (de novo, nada contra, mas é muito bom ter diversas opções).

Imagine-se numa ida até um dos maiores pontos turísticos da cidade, ver o pôr do sol, tomar um bom café e, ainda, ter oportunidade de assistir a um filme numa sala aconchegante, moderna e com acesso a um acervo, cuidadosamente separado e pensado, a partir da importância da experiência cinematográfica. É assim, por exemplo, no cinema Metha Glauber Rocha (que está aí, desde 1919, e, agora, está sendo patrocinado pelo Grupo Metha) e na sala do MAM.

Este último faz parte do queridíssimo Circuito Sala de Arte que conta, ainda, com a sala do museu, reinaugurada recentemente, modernizada e que leva o nome de um dos fundadores do circuito, Marcelo Sá, falecido recentemente. E também no shopping Paseo, com duas salas e no campus da Ufba do Vale do Canela, fechada temporariamente.

Por falar no Circuito de Saladearte, tive a oportunidade de um bate-papo com Suzana Argolo, uma das sócias. Abaixo, um trecho dessa conversa em que ela mostra os desafios e as conquistas desse abrigo alternativo de cinema.

O Circuito Saladearte precisou fechar, temporariamente, na pandemia e, agora, reabriu, com uma campanha da qual o público participou. Como foi esse processo?

“Com a pandemia, o circuito fechou repentinamente, causando muito prejuízo em relação às bebidas e comidas. Alguns fornecedores estavam sem pagamento porque estávamos priorizando o pagamento dos funcionários. Com o tempo, percebendo que a pandemia seria longa, ficou inviável manter a estrutura e tivemos que demitir todo nosso pessoal. Pagamos os direitos trabalhistas de todos, ficamos completamente descapitalizados e as salas precisando de manutenção.

São 5 salas em 4 espaços, ficou inviável arcar com todos os custos. Para reabrir, eram necessários muitos reparos. A única solução era a campanha. Preparamos tudo com muito empenho e capricho, mas sem ter ideia do resultado. O público aderiu lindamente, reforçando e manifestando a importância do Circuito Saladearte para Salvador. Isso nos deu muita força.

Sem a contribuição financeira, nós não conseguiríamos reabrir, porém, as manifestações de carinho intensas nos deram muita força para enfrentar as dificuldades da reabertura. Porque eram muitas obras, não sabíamos se o público voltaria para as salas, além de ser necessária uma nova organização administrativa, foram 2 anos parados e sem essa energia seria muito difícil prosseguir. “

Qual a importância de manter um circuito alternativo de cinema na cidade?

“Nos permite ampliar horizontes e espaços internos. Assistir aos filmes de autor é uma experiência única e de extrema importância para nossa formação sensível e para transformar o mudo através da nossa transformação interna, do contato com outros olhares, possibilitando debates e encontros sobre cinema. Salvador não podia ficar sem esses espaços de fruição de cinema e outras linguagens artísticas que a gente busca congregar.

A gente vê o saladearte como um refúgio no meio de toda essa correria e agitação. Cada sala do nosso circuito tem uma atmosfera própria. A gente entra e parece que se afasta de todo o resto e, ao mesmo tempo, se insere nos debates sociais. É um espaço onde o público pode assistir a mais do que a um filme. Pode ter uma experiência mais ampla, mais serena. Como é que fica sem esses espaços e sem esses pontos de encontro? Impossível. “

Como é feita a escolha dos filmes que estarão em cartaz? Como decidir quem permanecerá em exibição?

“Nós fazemos basicamente dois tipos de programação. A usual e a dos projetos. A programação usual é a que eu chamo de micro curadoria, porque acontece dentro de um universo reduzido, que é a lista de filmes disponibilizados pela distribuidora para a estreia em determinada data e, a partir daí, escolhemos as produções que a Saladearte quer exibir e essa escolha vem do perfil do filme e do perfil da saladearte.

Para a programação dos projetos, é feita uma verdadeira curadoria porque não fica restrito a uma lista reduzida de filmes lançados naquela semana e, sim, a todas as produções disponíveis no mercado e vamos escolher os títulos relacionados a determinado projeto. Um festival ou uma mostra de filmes. A maioria dos projetos que a Saladearte tem são feitos em parceria e os parceiros são os curadores ou também a própria Saladearte escolhe os filmes dentro do universo de filmes lançados, acontecendo até casos de títulos não disponíveis no mercado nacional.

Para manter o filme em cartaz, inicialmente, os números são avaliados, o que o público aderiu e marcou presença vai dizer a possibilidade desse filme permanecer em cartaz. Mas esse não é o único critério. Às vezes é uma produção com uma temática interessante que acreditamos que valha a pena continuar exibindo. Ou um filme que entendemos que tem a possibilidade de, pelo “boca a boca”, crescer. Pode acontecer também de termos um acordo de parceria com as distribuidoras. 

O circuito Saladearte parece ter um público cativo. Como manter esse público? Como atrair novos?

“A saladearte tem sim o seu público cativo. Por conta da sua programação diferenciada, da sua curadoria que busca trazer filmes de todos cantos do mundo e também privilegiar as produções locais e por causa dos seus ambientes que são muito charmosos e aconchegantes. O cinema do museu mesmo é um pedacinho do paraíso, onde tem as mangueiras, um espaço bem gostoso. Tem o MAM, um cinema à beira da Baía de Todos os Santos.

A Sala da Ufba que é um espaço dentro de uma universidade pública. Tem o Paseo que é dentro de um shopping, porém é tudo muito intimista e aconchegante. Então, tudo isso forma a saladearte, como eu disse, ir para a saladearte é uma experiência única, porque é um espaço de convivência além de ser um espaço de cinema... de debate, de bate papo. Sobre cinema e através do cinema e de fluição das artes associadas.

Então, para manter o nosso público, a ideia é manter a qualidade do que já temos e não alterar a nossa essência. Isso é fundamental..., mas a gente também não fica quieto. A gente está sempre trazendo projetos novos e apostando na curadoria especializada.

Também remodelamos o nosso Instagram, para manter um contato melhor com o nosso público, isso também vem sendo feito através do WhatsApp, cada sala tem o seu. Para estarmos perto do nosso público, escutando os feedbacks e publicizando melhor as novidades da programação. Falta implementar muita coisa porque a correria está gigantesca, com obras e reinaugurações e com essa reestruturação administrativa.

Para atrair um público novo, a gente tem vários projetos novos, sempre congregando debates, temos também uma programação diferenciada para as crianças... e tem chegado muita gente nova, que não conhecia os espaços, que já tinha ouvido falar dos circuitos, mas não sabia onde era... Eu acho que é importante que as pessoas saibam da existência da Saladearte e a gente está buscando formas de fazer isso.  “

Quais os planos do Circuito Saladearte para o futuro?

 “Vou te contar uma novidade que não contamos para ninguém. Vou te contar em primeira mão: Tem um projeto novo que vai ser inaugurado dia 06 de maio que se chama “Cine Som”, onde vamos unir cinema e música ao vivo, voz e violão, num happy hour.

A sessão de cinema vai acontecer às 18:30 para dar tempo de todos chegarem do trabalho, sempre às sextas e vai ter uma temática vinculada com a temática do som que vai rolar depois, através dos nossos parceiros na curadoria, o pessoal do “Cinematografo”, Fabricio Ramos e Camele Queiroz.

Então, depois da sessão de cinema, nesses dias 06 e 20 de maio (a ideia é ser quinzenal inicialmente, se o público pedir, vira semanal), terá um tributo à Belchior, com um cantor daqui de Salvador, Dória. Será um espaço de Happy hour, de confraternização e estamos felizes como essa inciativa

Depois dessa fase mais densa da pandemia, já reabrimos 3 dos 4 espaços.  A ideia agora é reabrir a UFBA.  A faculdade tem protocolos internos que ainda proíbem a utilização de espaços fechados, mas, agora que acabou a obra do Cine do museu, vamos começar a obra da Ufba, que está com problemas de infiltrações e de ar condicionado... vamos fazer essa obra enquanto os protocolos externos serão reestudados.

Estamos apostando no Cine Som e em outros projetos sempre tentando agregar experiências e outras linguagens artísticas ao cinema de autor. Tem muita gente também pedindo Saladearte em Lauro de Freitas e Saladearte no interior... Quem sabe? É um desejo nosso, mas precisamos realizar uma coisa de cada vez.”