Alberto Oliveira

Por que a Imprensa falhou na cobertura da pandemia de Covid

Não estamos escrevendo sobre eles (leitores), mas ainda pior: não estamos escrevendo para eles


Enquanto o público está na era das mídias sociais nós, jornalistas, insistimos em agir como se estivéssemos no tempo da Carta do Leitor

Nunca, em meus 46 anos de profissão, vi o público com tanta necessidade de receber a verdade do que agora, durante a pandemia do novo coronavírus. Mas a busca da verdade, hoje, exige recursos que a maioria dos veículos não possui e que a maior parte dos jornalistas acha que não precisa ter.

O joio é uma planta que se mistura com o trigo e prejudica a produção, porque compete pelos mesmos nutrientes. É o papel da Imprensa (para usar um jargão), separar o joio do trigo e entregar o trigo. A imprensa está entregando o joio ao público.

Na cobertura da pandemia a Imprensa falhou em seu papel de informar, esclarecer, filtrar.

E isso por uma série de razões, a começar por nossa arrogância. Você confiaria em um médico formado há 40 anos e que desde a faculdade nunca mais abriu um livro de medicina? Ou em um arquiteto, um engenheiro de qualquer natureza, um advogado, um contabilista que agisse da mesma maneira? Sei que há (de novo um jargão) as “honrosas exceções”. Mas ai de você se propuser o estudo do jornalismo a jornalistas com 20, 30 ou 40 anos de profissão. “Como você se atreve a insinuar que eu não sei fazer jornalismo?”. Essa é a nossa atitude, de maneira geral.

Pois afirmo com todas as letras maiúsculas e separadas por hífen. Não. Você não sabe fazer o jornalismo que o público espera e precisa. Ao menos não sabe mais, se parou de estudar. Por que para fazer jornalismo, hoje, não basta apurar bem e escrever bem. É preciso dominar uma série crescente de competências que não faziam parte da profissão.

O jornalista que não tiver um conhecimento mais do que razoável de Jornalismo de Dados, procure outra coisa pra fazer na vida. E não culpe o sistema. Encontre um espelho e aponte o dedo para ele.

E quando falamos de Jornalismo de Dados estamos falando da exigência de competências em áreas como o design, a estatística, a infografia, o uso de planilhas eletrônicas, o gerenciamento de bases de dados, o cruzamento de quantidades massivas de números, a matemática (acima da elementar), o conhecimento de linguagens de programação, e por aí vai.

Isso é o instrumental exigido, hoje, para manusear a matéria-prima do jornalismo, a informação, que está a cada dia mais misturada ao joio ou mais escondida.

Na pandemia os jornalistas tiveram que interpretar gráficos (o que não sabiam e continuam não sabendo como fazer); foram obrigados a falar de estatística (para eles um mistério tão profundo quanto a Arca da Aliança) e entender a ciência (que ironia! O jornalismo brasileiro há décadas não dá importância à ciência. Basta olhar para a inanição em que se encontra o Jornalismo Científico, no Brasil). Você consegue pensar em 3 títulos relevantes, no País, dedicados ao Jornalismo Científico? Consegue pensar em 2? Provavelmente terá dificuldade para pensar em apenas um.

E de repente o jornalista se vê falando de achatamento da curva, crescimento exponencial e logarítmico, mediana, média móvel, modelos estatísticos, etc. Quantos de nós sabemos, verdadeiramente sabemos, sobre o que estamos falando?

Em que tudo isso resulta? Em uma erosão da confiança na Imprensa.

Enquanto o público está na era das mídias sociais nós, jornalistas, insistimos em agir como se estivéssemos no tempo da Carta do Leitor.

Não estamos escrevendo sobre eles (leitores), mas ainda pior: não estamos escrevendo para eles.

A chamada Grande Mídia escreve voltada para um público elitista e das grandes capitais do Sudeste. Falta escrever para a velhinha semialfabetizada do interior do Nordeste.