Porta velas com imagem de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Irmandade da Ordem Terceira do Rosário dos Pretos completou 120 anos em 2019
FOTO: Karoline Moreira

PERTENCIMENTO
Pedras, suor e rosário no pescoço

por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

“Os negros que construíram essa igreja, debaixo de sangue e suor, trabalhavam com seus senhores e de noite, através dos túneis, carregavam material para construção desse lugar”. A afirmação é de Dona Valquíria Aragão, cantora do ministério de música da Igreja do Rosário dos Pretos, que aponta para o chão ao falar, com intuito de mostrar o local onde estão enterrados seus irmãos e a força da ancestralidade. A igreja do Rosário dos Pretos é um lugar de resistência, desde sua construção até hoje.

Foram cerca de 100 anos para a edificação do templo chegar ao fim. Todo trabalho em prol de ter um lugar próprio em meio à crueldade da escravidão. Em 2019, a afirmação continua. Dona Valquíria Aragão conta que há mais de 20 anos, quando ela ingressou na Irmandade, não havia cânticos no ritmo ijexá, a missa era sem agogô ou tambores, e contara com apenas um senhor e um teclado.

Ela e mais três irmãos se juntaram e tentaram mudar. Falaram com o padre e foram avisados que se não atraíssem os fiéis, eles não iriam permanecer. O pandeiro e a voz potente de Valquíria Aragão trouxeram em torno de 16 fiéis na primeira terça. Na segunda foram mais de 50, e assim o número não parou de crescer. Nos últimos 25 anos, a cada terça, turistas e baianos lotam a Igreja do Rosário. Seja pela alegria, pela música ou pela fé, eles estão por lá, marcando presença e testemunhando as "coisas de preto", como define a cantora.

Valquíria Aragão pousa de frente para a câmera vestida com a roupa da Irmandade
A cantora Valquíria Aragão ajudou no processo de instituição do ritmo ijexá na Igreja do Rosário
FOTO: Antônio Muniz

“Outro dia eu disse aqui no Largo do Pelourinho, por que não havia anjos negros? E eu não sabia e ninguém me explicou. Quando pequena, era uma coisa que eu queria: sair na procissão de anjo”. Dona Nilsa Bonfim, a vice priora da Irmandade (termo sinônimo a vice-presidente), uma senhora negra com seus cabelos totalmente brancos, com uma bengala sempre a mão, conta que perguntava para as pessoas porque ela não se enquadrava naquele ser puro e celestial. Afinal, não existem anjos negros? Talvez nas igrejas espalhadas pela cidade não. Mas na do Rosário, sim!

Além de devota de Nossa Senhora do Rosário, Dona Nilsa Bonfim se encontrou no templo como uma liderança feminina. Lugar onde ela se identifica e sente a força dos seus ancestrais. Esse pertencimento se destaca na música, que a irmã Valquíria Aragão resistiu para levar à celebração, nas danças, nos santos negros e também na representativa ocupação negra nos cargos hierárquicos de comando da Irmandade. Claro que ainda existem disputas entre essas duas organizações religiosas: a igreja católica com o poderio político-econômico e a Irmandade dos Homens Pretos com poder da resistência e da história.

Há indícios de conflitos, apenas no "ar", uma autoafirmação de um lado, ocupada pela instituição vinda com os colonizadores portugueses e por outro, é possível enxergar nas entrelinhas, ou seria nos bastidores, a luta para preservação da ancestralidade. A Irmandade ultrapassa séculos e constrói estratégias, a partir das experiências, e seguem em frente deixando viva a história e o protagonismo negro.

Confira mais um episódio do nosso documentário:

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Mulheres que fazem parte da Irmandade dos Homens Pretos batendo palma
Mesmo com o nome de Irmandade dos Homens Pretos, muitas mulheres fazem parte do grupo lutando pelo protagonismo negro
FOTO: Karoline Moreira

O encontro

Levando adiante esse posicionamento das heranças africanas, a igreja atrai fiéis de todo o Brasil. José Luiz Rodrigues, nascido e criado no Sul, se sentiu abraçado por lá. O aposentado é filho de pais desconhecidos e foi adotado por duas famílias diferentes quando era jovem. Foi morador de rua, passou por momentos difíceis na vida, mas aos 17 anos casou-se e dessa relação nasceram três filhos.

O gaúcho conheceu a Igreja do Rosário dos Pretos através de uma viagem turística por Salvador, em 1997, com sua esposa. Interessou-se em visitá-la, porque um dia ouviu falar da animação da missa com os instrumentos afro brasileiros, mas não imaginava que ao chegar lá se sentiria tão em casa. Assim, toda vez que voltava à capital baiana, visitava a Rosário.

Depois de 35 anos, viúvo e com os filhos encaminhados percebeu que era a chance de recomeçar. Um pedido que tinha feito, em 1997, a Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio de Categeró poderia se concretizar: "mudar-se para Salvador".

Casou-se novamente e em 15 dias veio morar na Bahia. Como agradecimento, passou a frequentar as missas toda terça no santuário e contribuir no ofertório, através da doação de pães. Hoje, o Gaúcho, como é conhecido pela Irmandade, é membro do Terço dos Homens e postulante, um termo para nomear um candidato prestes a entrar em um grupo de devoção, no caso dele no grupo de Santo Antônio de Categeró. Foi na Igreja do Rosário dos Pretos que ele encontrou seus ancestrais, prova que a fé independe de lugar, pessoa ou religião.

José Luiz Rodrigues
José Luiz, o gaúcho que se encontrou na Igreja do Rosário dos Pretos
FOTO: Antônio Muniz

Alcançar desejo ou receber uma graça também torna maior o sentimento de pertencimento dos fiéis e irmãos da Irmandade. Escolha uma das imagens abaixo e descubra as histórias de graças alcançadas, através da Igreja do Rosário dos Pretos, de cada um dos entrevistados.


Escolha qual vídeo assistir clicando na imagem

..:: TCC Jornalismo 2019::..
por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

Coordenadora
Patrícia Moraes

Professores Orientadores
Alberto Oliveira, Ana Luisa Coimbra, Celso Duran, Marcos Uzel e Valéria Vilas Boas