Close das portas da Igreja
A arquitetura da Igreja mistura elementos do estilo neoclássico e barroco

FOTO: Karoline Moreira

ARQUITETURA
Mãos que construíram história

por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

A construção de um templo religioso só para os negros. Imagine o quanto essa movimentação dos escravos e alforriados deu o que falar, em meados de 1704. Júlio César Soares, historiador e membro da Irmandade dos Homens Pretos há 30 anos, conta que na época da construção, o cenário era de colonização e a Bahia era uma província. Os portugueses estavam começando a implantar o cultivo de cana de açúcar no Brasil e os portos baianos eram os mais procurados e onde toda a negociação dos produtos era feita.

Os escravizados trazidos para trabalhar na colônia brasileira tinham fé. Como os portugueses tinham implantado o catolicismo em Angola e lá os escravos criaram irmandades, aqui não foi diferente.

A irmandade surgiu em 1685 e em 1704 foi iniciado a construção da igreja. Primeiro foi feita a capela de Nossa Senhora das Dores, que fica ao lado do templo. Após o trabalho árduo na casa de seus senhores, os escravos ainda encontravam forças para ajudar a construir a igreja, que ficou pronta após 100 anos.

“Ela foi a única igreja construída por eles para eles. Quer dizer, a única igreja construída pelos escravizados para os escravizados, Isso não quer dizer que as outras pessoas não tinham acesso, todos tinham acesso, mas ela foi feita exatamente para eles”

Antônio Nicanor, membro da irmandade

Cada detalhe da igreja tem um pedaço da história de persistência, a começar pelo lado de fora. As duas torres representavam poder. As igrejas que possuíam uma torre pagavam menos impostos, logo ter duas totalmente terminadas simbolizava boa condição financeira. Mesmo sendo construída por negros escravizados, o intuito era de mostrar que poderiam, sim, ostentar poder e que ali também tinham homens e mulheres importantes na sociedade, mesmo naquelas condições. Se caminharmos pelo Centro Histórico de Salvador, conseguimos perceber a dimensão de quanto isso poderia ser caro na época, já que não são todas que têm essa presença arquitetônica. O financiamento da construção das torres se deu a partir de uma “vaquinha” organizada pelos poucos negros alforriados da época e a construção foi feita pelo mestre de obras Caetano José da Costa, por volta de 1780.

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Fachada da Igreja do Rosário dos PretosTer duas torres, na época, era sinal de poder
FOTO: Karoline Moreira

Interior da Igreja

Em 1870, o entalhador João Simões Francisco de Souza construiu os três altares da Igreja. No altar-mor, o principal, está presente a imagem de Nossa Senhora do Rosário e Cristo Crucificado acima. Segundo o ex-prior e historiador Júlio César Soares, as pedras presentes nas paredes em volta do altar já vieram talhadas de Portugal. Ainda na tentativa de autoafirmação de poder, o chão foi elaborado utilizando mármore de carrara, um dos materiais mais caros do mundo, construído a partir de fósseis que foram sedimentados e prensados no fundo do mar, tornando-se mármore.

Presentes em cada um dos lados do altar-mor estão os altares auxiliares, que também foram levantados em 1870. Os dois seguem o estilo neoclássico do altar principal, com a presença de uma moldura encurvada no centro e reta nas laterais. No altar da esquerda está presente a imagem de São Benedito, já no da direita, está a imagem de Santo Antônio de Categeró, ambos são santos negros cultuados pela irmandade.

Dona Valmira Passos sorrindo
1: Altar-mor; 2: Altar auxiliar com imagem de São Benedito; 3: Altar auxiliar com imagem de Santo Antônio de Categeró
FOTO: Karoline Moreira

Separando a nave da igreja, espaço que acomoda os fiéis, e o altar-mor, está um grande arco que delimita a passagem. Construída no modelo neoclássico pelo entalhador J. Simões Francisco de Souza, o que chama mais atenção na curvatura é a presença do monograma dentro do medalhão azul com as letras A e M, remetendo ao termo Ave Maria.

Ao entrar na Igreja do Rosário pela porta central nos deparamos com o para-vento. O historiador Júlio César conta a necessidade deste elemento: "quando a porta de lá de fora está aberta, essa aqui automaticamente tem que ficar fechada, porque ela impede que o vento entre diretamente, para não sujar. Só em dia de missa que ela fica aberta, aqui abre, mas na maioria das igrejas não abre", descreve o ex-prior.

Nas laterais do templo há lugares separados por grades, onde ficavam somente os irmãos, à direita as mulheres e à esquerda os homens. Atualmente, nas missas não existe essa divisão. Mas, há fiéis que sentam no mesmo lugar sempre. Para garantir o local no banco de madeira, onde cabem até cinco pessoas, chegam cedo e permanecem até o fim da celebração. Em missas mais especiais, como dias festivos de Nossa Senhora do Rosário ou aniversário da Irmandade, homens e mulheres sentam separados, cada gênero de um lado.

O chão do interior da igreja é repleto de sepulturas antigas, uma forma de homenagear todos aqueles que já passaram pela irmandade ou que de alguma maneira estiveram presente, influenciando, na Igreja do Rosário dos Pretos. Dentre os túmulos está o jazigo de Manuel Querino, fundador da Escola de Belas Artes, abolicionista e um dos primeiros estudiosos a registrar as contribuições da cultura africana para a Bahia.

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Nas paredes, os azulejos azuis com a presença do dourado vieram diretamente de Portugal. Segundo o historiador Júlio César Soares, é um detalhe único dentre todas as igrejas do Pelourinho, uma exclusividade da Igreja do Rosário.

Azulejos azuis com detalhes em dourado nas paredes internas da igreja Os azulejos expõem passagens da bíblia no interior da Igreja. Na foto está a representação do momento em que os três reis magos encontram o menino Jesus, após seu nascimento.
FOTO: Camila Freitas

Teto

O forro da nave central, local onde fica os fiéis durante a missa, se destaca e chama a atenção pela pintura de 600 metros quadrados que foge do padrão neoclássico da época. A pintura apresenta o medalhão de Nossa Senhora do Rosário ao centro, seguida por São Domingos e São Pedro nas laterais e com a corte celestial em torno. O autor da obra é incerto. Alguns atribuem a José Pinto Lima dos Reis, que teria realizado o trabalho por volta de 1780 e 1781, mas outras fontes garantem que José Joaquim da Costa é o verdadeiro autor das pinturas.

É possível notar na obra também que São Domingos está recebendo um rosário das mãos de Nossa Senhora, ela é a principal mentora, que vai inspirar São Domingos de Gusmão a criar a devoção ao rosário que existe até os dias de hoje.

Pintura no teto da nave central Forro da nave central, no qual é possível ver Nossa Senhora entregando um rosário para São Domingos Gusmão
FOTO: Karoline Moreira

Durante o final do século XVIII foi instituída uma regra no qual o teto do altar-mor deveria ser diferente do da nave central, por isso o forro do altar é mais simples. A pintura mostra Nossa Senhora do Rosário com o menino Jesus no colo, carregando o grande terço. Mas, a imagem se destaca pela presença, embaixo de Nossa Senhora, de Baltazar, o rei mago negro, e pela presença da imagem de quatro mulheres dispostas em cada ponta do teto.

“No teto do altar-mor da nossa igreja nós temos também a representação dos quatro continentes. Temos Europa, Ásia, África e América. Muitos perguntam, pois são cinco continentes, mas é porque, na época, a Oceania não tinha sido descoberta”, explica o ex-prior e historiador, Júlio César.

Conheça mais detalhes sobre a arquitetura da Igreja do Rosário dos Pretos em mais um episódio do nosso documentário:


..:: TCC Jornalismo 2019::..
por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

Coordenadora
Patrícia Moraes

Professores Orientadores
Alberto Oliveira, Ana Luisa Coimbra, Celso Duran, Marcos Uzel e Valéria Vilas Boas