Atabaque usados na percussão da música Atabaque é um dos principais instrumentos utilizados na percussão na Igreja do Rosário
FOTO: Antônio Muniz

MÚSICA
“O tambor está no nosso sangue”

por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

A música com seus ritmos acompanhada por vozes e percussões, conquista fiéis baianos e chama atenção de turistas de Salvador e do mundo. A levada envolvente do ijexá faz todos da Igreja do Rosário balançarem seu corpo, mostrando assim que a conexão entre as pessoas daquele santuário pode ser a fé, mas também a identificação cultural. Antônio Nicanor conta que "essa missa é igual a que o Papa celebra no Vaticano, só que com nosso molho. Aposto que se arrepia quando está aqui. O tambor está no nosso sangue".

O ijexá tem seus antepassados ligados à África. A nomenclatura, além de fazer parte do universo musical, era uma cidade da Nigéria. O conjunto de significados não se esgota nesses elementos (que já são vastos), a religiosidade de matriz africana guarda na memória e tradição o ijexá. A presença do ritmo na Igreja do Rosário leva algumas afirmações de terceiros que desagradam os irmãos e irmãs da Ordem Terceira, tudo isso porque também é tocado em cultos candomblecistas e umbandistas. Segundo Adonai Passos, prio da Irmandade dos Homens Pretos, tem gente que liga perguntando: quando é a missa do candomblé? Uma questão que fere tanto os católicos, quanto aqueles que frequentam as religiões de origem africana.

Mesmo sabendo que existem devotos que praticam dois princípios religiosos, eles afirmam, em discurso único, que não há mistura ou sincretismo. Mário Silva, integrante da Irmandade e da banda, assume sua dupla pertença, mas deixando evidente: "há uma proximidade, uma coisa muito forte, não uma mistura. A igreja foi construída por nossos ancestrais, então existe essa força, uma energia muito grande. Eu digo que quem realmente tem outra religião, quem pertence ao candomblé, se sente muito bem por aqui".

Mário, músico da Irmandade, junto com atabaque
Mário Silva, integrante da Irmandade e músico há 23 anos
FOTO: Karoline Moreira

A música nos leva para diversos questionamentos da mistura, porém se sabe que o ritmo está ligado à ancestralidade. " Ó que coisa bonita, ó que coisa bonita, Deus Pai libertador, criar negra cor, ó que coisa bonita, ó que coisa bonita", essa é a parte de uma canção que às vezes é cantada no início da missa, envolvendo os presentes na procissão de entrada do padre, com incenso que toma a Igreja. Uma letra que continua no viés de valorização da identidade negra, somando ao ritmo.

Ouça a música completa:

A língua banto tem presença nas músicas da Igreja, uma maneira de preservar a memória para as gerações mais novas. Sandra Bispo, ex-vice priora, afirma que na Irmandade tem a tradição oral como característica principal para difundir conhecimento entre irmãos e irmãs: "os mais velhos são como bibliotecas vivas", então a música vem com essa missão também. "Bwana, Bwana, utuhurumie", trecho que traduzido é: "Senhor, Senhor, tem piedade de nós", canto que o ministério da música puxa no ato penitencial, um momento para os fiéis pedirem perdão.

Ouça aqui a música:

Alguns vão até o templo católico por causa do ritmo envolvente, como o turista carioca Augusto Soares: "ouvi falar que a missa é animada, tem percussão, tambor e dança. Vim ver tudo isso." Mas, a música é apenas um dos fragmentos que compõem um lugar cheio de fé, memórias e luta.

A música que está presente na missa marca presença no quintal do templo nas festividades. Depois das procissões ou eventos organizados pela Irmandade, o espaço com as mangueiras, uma fonte desativada e a cozinha têm no ar os sons dos tambores, pandeiros, agogôs. "Aqui tudo termina em música e comida", disse um senhor enquanto a equipe caminhava em direção ao fundo da igreja.

Uma tradição que, em 1672, era ilegal para os negros, já que o uso de atabaques foi proibido, podando as manifestações culturais e religiosas dos povos africanos. Mas, os batuques permaneceram. Passaram gerações e o ijexá continua vivo. No século XX, quando o toque africano começou a ser incorporado nas celebrações da Casa do Rosário, além da fé, negros e negras podiam se perceber de forma potente naquele lugar. Marcos Santos, músico e pesquisador, conta, no primeiro episódio do nosso podcast Histórias de Fé, que o ijexá também é uma ferramenta de resistir.

Ouça agora:

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..:: TCC Jornalismo 2019::..
por Antonio Muniz, Camila Freitas, Dandara Amorim, Karoline Moreira e Mariana Sebastião

Coordenadora
Patrícia Moraes

Professores Orientadores
Alberto Oliveira, Ana Luisa Coimbra, Celso Duran, Marcos Uzel e Valéria Vilas Boas