UM RIO DE HISTÓRIAS

Já perto do seu fim, o Paraguaçu foi testemunha do nascimento de filhos ilustres, da transformação de cidades e de cada um dos anos da escravidão na Bahia

 
DE CABACEIRAS DO PARAGUAÇU À BAÍA DO IGUAPE 
O Paraguaçu que acompanha mudanças e se transforma

Marcus Vinícius Anjos e Beatriz Oliveira

"Minha Maria é bonita,
Tão bonita assim não há;
O beija-flor quando passa
Julga ver o manacá."

Os versos acima, do poeta Castro Alves, fazem parte do poema Tirana, escrito na segunda metade do século XIX. Marcada pelo romantismo que tanto caracteriza o poeta baiano, a obra ganha uma conotação ainda mais inspiradora quando sai do papel e ganha a voz da cantora Priscila Sales. Quis o destino que a cantora nascesse na cidade de Cabaceiras do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano - a mesma onde Castro Alves veio ao mundo.

Entrada de Cabaceiras do Paraguaçu. (FOTO: Beatriz Oliveira)Priscila musicou os versos de Tirana, acrescentando ao poema uma deliciosa melodia. A admiração por Castro Alves, porém, não é exclusividade da jovem cantora baiana: o poeta é lembrado em cada espaço da cidade em que nasceu. Seu nome está presente nas ruas, nos estabelecimentos comerciais e até na entrada da cidade.

As margens do Paraguaçu foram o berço para o nascimento do escritor. A casa da fazenda dos pais do chamado “poeta dos escravos” foi reconstruída no lugar onde ficava para funcionar como um museu, bem pertinho do rio. O caminho em meio ao jardim cheio de flores e placas falando mais sobre ele do é convite para conhecer a parte interna do lugar. Ao entrar, alguns móveis originais preservados, poemas estampados nas paredes, documentos e fotos em outros cantos. Os sapatinhos das irmãs de Castro Alves expostos dentro do vidro não parecem ter sofrido a ação do tempo. A memória do escritor permanece preservada, apesar de boa parte dos seus pertences ter sido queimado por causa da tuberculose que lhe fora fatal.

Casa onde fica o Parque Histórico Castro Alves é semelhante à original onde viveu o poeta. (FOTO: Beatriz Oliveira)
 

“Nós, de Cabaceiras, queremos que a cidade seja reconhecida pelas pessoas como local de nascimento do poeta. Muita gente ainda pensa que ele nasceu em Castro Alves por causa do nome do município”, diz a historiadora Reiny Oliveira, do Parque Histórico Castro Alves. O objetivo do museu é manter viva a história do escritor, mas também servir de apoio à sociedade, como explica a diretora do Parque, Diogenisa Oliva.

Muita coisa mudou após a morte de Castro Alves. Os moradores da cidade dizem que um dos bairros foi evacuado e alagado para a construção da barragem de Pedra do Cavalo, de onde sai a água que abastece 60% de Salvador e Região Metropolitana. Localizada a poucos quilômetros de Cabaceiras do Paraguaçu, a barragem foi construída em 1985 e divide opiniões dos moradores de cidades próximas, principalmente das que ficam abaixo da represa.

As compotas da barragem fazem parte da paisagem da cidade de São Félix. (FOTO: Marcella Paixão)
 

As cheias que constantemente invadiam e destruiam parte dos municípios de Cachoeira e São Félix deram lugar a Paraguaçu largo, mas contido. Há quem defenda porém que antes a região era melhor para a pesca e mariscagem. E isso até que não é história de pescador. Como uma alteração no curso natural do rio foi feita próxima ao encontro com o mar, onde a água salobra forma os manguezais, o ecossistema foi se afastando mais da cidade e os animais que preferem esse ecossistema também.

Séculos atrás, na época em que os engenhos eram encontrados por toda a parte em Cachoeira, os escravos utilizavam aquela parte do Paraguaçu para se alimentar. De acordo com o historiador José Reis, o rio e seus afluentes eram usados para a pesca e como forma de rituais típicos das suas culturas.

É em Cachoeira também que está localizada a Rota da Liberdade, um caminho de quilombos às margens do Paraguaçu onde até hoje vivem comunidades remanescentes que preservam a cultura dos antepassados. Em 2005, o lugar passou a investir no turismo étnico, permitindo que os visitantes tenham contato com a cultura local, conhecendo os terreiros e acompanhando a fabricação do azeite.

Quem conhece o lugar segue de barco pela Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape, área de conservação federal que busca proteger a região e ajudar os ribeirinhos a se desenvolver economicamente sem prejudicar o ecossistema, uma das áreas de atuação mais importantes da RESEX para o gestor da reserva, Sérgio Freitas.

Seguindo de barco pelo rio, ainda na Baía do Iguape, o navegador vê mais uma obra que tem sofrido a ação do tempo mas que insiste em permanecer ali, o Convento de Santo Antônio do Paraguaçu, nosso próximo e um dos últimos destinos nessa viagem pelas águas do rio baiano.

Paraguaçu visto de Cabaceiras do Paraguaçu, próximo ao local onde nasceu o poeta Castro Alves. (FOTO: Beatriz Oliveira)