grafito de banheiro
A liberdade feminina atrás da porta
Na era da tecnologia e ascensão às redes sociais, uma comunicação marginal e antiga se faz presente em quase todos os banheiros de estabelecimentos públicos de Salvador. Grafito de banheiro é o nome que se dá a escritas e desenhos que são feitos em paredes,
espelhos e principalmente portas de cabines das toaletes.
Nossa equipe de caçadoras de grafitos visitou 36 banheiros femininos espalhados por toda a capital baiana durante um mês e, entre bares, universidades, estações de ônibus e shoppings, um denominador comum: mulheres com a necessidade de expressar-se frente a um mundo que é paralelo ao que é vivido no cotidiano.
Nestes sanitários, as declarações de amor, frases de apoio ao sexo feminino, ao feminismo e à pele negra são os grafitos mais frequentes, além de grafias e símbolos de sexualidade. Exemplo deles são: "O que você aprendeu com a sua última decepção?", "Melhor uma des-ilusão do que uma ilusão", "Feminismo é revolução", "Poder ao povo
preto!", "Homem que te faz acreditar que você não será feliz sem ele, não merece que tu o faça feliz!".
Mesmo com todos esses banheiros sendo, aparentemente, locais em que as pessoas retornam, essas cabines não deixam de ser um local de passagem, seja para apenas escrever e nunca mais voltar, ou contar alguma coisa e retornar à espera de que alguém tenha respondido.
CaÇadoras de grafito | |
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Alice Santiago |
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Brenda Ferreira |
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Edielle Caroline Email: edielle-caroline@hotmail.com Instagram: @ediellecarvalho |
"Vai da paquera às reivindicações"
Yasmim Barreto, é uma das milhares de mulheres que passam, escrevem e leem mensagens. “Eu acho que o grafito é uma forma de expressar sentimentos variados e de incentivar outras mulheres. Vai da paquera às reivindicações. Justamente por ser um local de passagem tem tanto impacto. Todo mundo que passa, acaba lendo e em banheiros de faculdade mais ainda, porque você costuma frequentar todos os dias”, disse a estudante de jornalismo.
Tem também aquelas que não escrevem, mas se distraem por minutos apenas lendo e se entretendo com conversas de outras mulheres. “Sempre me pego distraída lendo as várias mensagens rabiscadas nas portas e paredes dos banheiros. Acho que é um tipo de comunicação genuíno e sincero, principalmente pelo fato de serem mensagens anônimas, então sempre imagino que a pessoa que escreve se sente em total liberdade de dizer o que pensa naquele momento”, contou Ingrid Macedo, 20 anos, estudante de arquitetura.
Embora tenham opiniões em comum, as duas garotas têm costumes diferentes. Yasmim relatou que além de apoiar a prática dos grafitos, escreve frequentemente em banheiros, ao contrário de Ingrid. “Acho que o primeiro que escrevi foi no banheiro da Ufba [Universidade Federal da Bahia], de Ondina. ‘Mulher, ame outras mulheres’. Para incentivar a sororidade, lembrou Barreto.
Galeria de grafitos empoderados
Grafito é sujeira?
Um estudo publicado no livro “Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro”, mostra que é no espaço íntimo do banheiro, dedicado especialmente “às partes sujas” do corpo que o uso de palavras que façam menção aos órgãos sexuais é frequentemente encontrado nos grafitos de banheiro. Com isso, os escritos simbolicamente remetem sujeira para algumas pessoas que têm a imagem de que uma cabine de banheiro deve ser “limpa”.
A faxineira de uma faculdade de Salvador, Luciene Brito, 35 anos, revelou que a instituição dá ordens para que os zeladores limpem as cabines dos vasos sanitários com frequência. “Temos que limpar sempre que encontrarmos. Usamos uma bucha e um produto adequado para tirar esse tipo de coisa”. E com isso, a surpresa: existe um "elimina riscos” para tirar marcas de riscos e pode ser adquirido em supermercados,como qualquer outro produto de limpeza.
Luciene também opinou sobre grafitos darem aspecto de ambiente sujo. A zeladora concordou com o estudo do livro e disse que prefere “um ambiente sem [grafito], comcara de limpo”. “Eu acho que fica um ambiente sujo, com aspecto ruim. Sensação de poluição visual”, avaliou.
Mas, esses conceitos são desconstruídos na visão de Ingrid e Yasmim. “Acho que o aspecto que os grafitos conferem aos banheiros não é necessariamente sujo, mas passa uma imagem de um banheiro ‘descuidado’ e ao mesmo tempo dá uma certa personalidade ao lugar”, disse a estudante de arquitetura. Em contraponto, Yasmim diz que “a sujeira não tem nada relacionado aos riscos no banheiro”, segundo ela, o local só é sujo se não tiver limpeza. “Eu enxergo mais como uma forma de expressar arte e ideologias”, afirmou.
E, diante de tantas informações e conversas, há sempre aquela que mais atrai e que faz mulheres se identificarem com a mesma história. “Várias me chamam atenção... Do Rio Vermelho, da Ufba, Uneb [Universidade Estadual da Bahia]... a última que eu vi, bem simples, mas que gostei muito foi "não acredite nas revistas. Você é linda", revelou a estudante de jornalismo.
“Não consigo me lembrar de uma frase específica, mas sempre me divirto com as declarações de amor escritas nos banheiros. No último lugar em que estudei costumava ler trechos enormes de músicas dedicadas a outras pessoas. Também me chamavam atenção algumas conversas, em que dava claramente para distinguir duas caligrafias diferentes que se respondiam nos mais variados assuntos (ou em conversas compostas apenas por xingamentos)”, concluiu Ingrid Macedo.
“Sem fantasia não há tesão, não há desejo, não há excitação, ejaculação e nem orgasmo”
A psicóloga e sexóloga Cláudia Meirelles conversou com a nossa equipe e explicou que cada pessoa percebe o contexto sexual de uma forma, ou seja, entre homens e mulheres há reações distintas no ato de escrever em uma porta de banheiro.
Questionamos à profissional se é mais fácil escrever do que falar sobre sexualidade e Meirelles afirmou: “é mais fácil escrever, pois, em sua condição anônima, a pessoa não pode ser julgada pelo que escreve”.
Segundo a sexóloga, o tratamento escrachado que se dá aos grafitos, tanto em banheiros femininos, quanto em banheiros masculinos, é produto de uma fantasia inerente ao espaço. “A sociedade tem a cultura de julgar o conteúdo sexual como sujo e proibido, então, a partir do momento que você tem aquele espaço protegido, a libido aumenta”, contou.
O banheiro é um ambiente dotado de fetiches e segredos. Entre cabines, a mulher tem a liberdade a seu favor para expressar suas fantasias mais íntimas, afinal, de acordo com a psicóloga: “Sem fantasia não há tesão, não há desejo, não há excitação, ejaculação e nem orgasmo”.
Grafito em 1 minuto
Palavras que elas mais usam*
*Com base na pesquisa de campo feita nos banheiros femininos de Salvador
Grafitos colaborativos
Grafitos que nos mandaram através do instagram @grafitodebanheiro
O Freud do Grafito
Gustavo Barbosa, 67 anos, é escritor do livro “Grafitos de Banheiro – A Literatura Proibida”, livro-base da nossa pesquisa.
Barbosa é nosso entrevistado especial e vai falar sobre sua obra e o que mais entende: expressão em portas de banheiro.
Barbosa é mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi professor da Faculdade de Comunicação Hélio Alonso e do curso de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá. Dirigiu as editoras Codecri e Rocco.
Foi assessor de Relações Públicas do Ministério da Agricultura; chefe da Divisão de Comunicação Interna da Petrobras; gerente de Comunicação Social do CIEE; diretor de planejamento da Newsday Consultoria de Comunicação. Autor do Dicionário de Comunicação e do Dicionário Essencial de Comunicação.
O que eles pensam
O banheiro feminino é um mundo desconhecido pelos homens. A ida das mulheres ao banheiro desperta pensamentos místicos e suposições. No imaginário do gênero masculino, mulheres não escrevem ou até mesmo não falam sobre determinados assuntos. Mas tudo isso pode ser descontruído frente a realidade constatada através dos grafitos em banheiro feminino.
E se esse local inexplorado se tornasse aberto aos homens por um dia, como seria a reação?
Espaço de fala
Entrar neste banheiro pode te causar várias sensações. Em meio à um lugar que abriga escritas com pensamentos, xingamentos, revoltas, desabafos e palavras de ação, você pode sentir acolhimento, medo, nojo ou vontade de fazer parte desse mundo de conexões femininas.
O banheiro, local de passagem, se torna ambiente à espera de indivíduos que estejam dispostos a lidar com sua solidão ou descarregar suas próprias histórias de luta e transgressão. Estar em uma cabine, sozinha, trancada e despreocupada em ter seu espaço invadido é sinônimo de possibilidades. O banheiro é a passagem, o grafito é a permanência.
Caçada aos grafitos
Neste bate-papo, você vai ficar por dentro de todo o processo de pesquisa do tema Grafitos de Banheiros Femininos. Desde o início das visitas aos banheiros até a finalização. Você também vai experimentar um pouco do que é estar nesse mundo, de acordo com nossas experiências que foram contadas neste podcast. Confiram!