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Efeitos da guerra na Ucrânia chegam ao consumidor baiano

Os números mostram os impactos negativos da guerra sobre o bolso dos consumidores

Após alta de 0,83% em fevereiro, a inflação na Região Metropolitana de Salvador acelerou em março e registrou variação de 1,53%, acumulando 12,13% nos últimos 12 meses, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE. Os números do mês mostram os impactos negativos da guerra da Ucrânia sobre o bolso dos consumidores.

“O Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, mas não no refino. Por isso, há a necessidade de enviar a mercadoria para o exterior e recomprar pelo preço internacional. Assim, forçou a Petrobras a reajustar os preços da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha”, esclarece o consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze.

O grupo de Transportes obteve acréscimo de 3,48%, responsável por 45% da alta no mês. A gasolina, item individual que mais pesa no IPCA e, por consequência, nos gastos das famílias, subiu 6,74%. O óleo diesel, por sua vez, subiu 14,10%. E se fica caro o preço da gasolina, também contribuiu para aumentar, por exemplo, o transporte por aplicativo. No mês, o aumento foi de 2,24%.

O segundo grupo que mais pesou no IPCA da RMS em março foi o de Alimentos e Bebidas com a alta de 1,89% e impacto de 0,43 ponto percentual. Vale a ressalva que esse grupo é o de maior peso no indicador de preço, com 22,6%. São dois os principais motivos, a alta do óleo diesel que encarece o frete rodoviário, e a alta das commodities agrícolas no mercado internacional, como soja, milho e trigo.

“A Rússia e Ucrânia produzem cerca de 30% do trigo mundial e por isso houve uma explosão no preço internacional. E o consumidor de Salvador também sentiu o efeito. O pão francês, tradicional no café da manhã, subiu 6,23% só neste mês e acumula quase 10% no primeiro trimestre”, lembra o economista.

Além disso, problemas climáticos também contribuíram negativamente para a escalada de preços. O excesso de chuva no início deste ano prejudicou, por exemplo, a plantação de cenoura na região de Irecê (BA) e de São Gotardo (MG). Desta forma, menos oferta gera um preço mais alto na negociação, fora o custo maior do transporte. A cenoura foi o item que mais subiu no mês com 33,91% e acumula no ano 136%.

O grupo Habitação também pressionou a inflação na RMS com a elevação de 1,46% no mês e 0,21 ponto percentual para o índice geral. E o grande vilão foi o gás de botijão com aumento médio na região de 5,18%. Novamente, efeito da alta do petróleo.

As demais altas foram de: Vestuário (1,36%), Saúde e cuidados pessoais (0,76%), Comunicação (0,22%), Educação (0,18%) e Despesas Pessoais (0,17%). Somente o grupo de Artigos de Residência que ficou praticamente estável com variação de -0,02%.

“A inflação deve continuar subindo e pressionando o bolso do consumidor. Contudo, o ritmo deve ser menor do que o visto em março. Isso porque nesse mês foi absorvido praticamente todo o impacto da guerra da Ucrânia e escalada do preço do petróleo, e nos meses seguintes deve ter algo residual somente”, informa Dietze.

Em abril deve aparecer o reajuste dos medicamentos tabelados, ocorrido no início deste mês. As passagens aéreas ainda estão com queda nos preços, mas por uma questão de metodologia do IBGE. A partir de maio deve ser captado o aumento expressivo nos bilhetes devido a alta do querosene da aviação, mais um derivado do petróleo.

“Por outro lado, a redução da bandeira tarifária da energia elétrica, da escassez hídrica para a verde, sem taxa extra, pode contribuir para amenizar a subida dos preços. No entanto, o desconto não deve ser como o desejado. Isso porque ainda haverá a necessidade de pagar pelo funcionamento das termelétricas que usaram óleo diesel mais caro e que não foi repassado na íntegra ao consumidor”, compara o consultor econômico.

O economista destaca ainda que “o efeito foi tão grande que somando o impacto de alimentação, transportes e habitação, eles foram responsáveis por 81% da alta de março”.

Infelizmente, sobram poucas alternativas para o consumidor. Como não melhora o mercado de trabalho como gostaria e não é fácil fazer renda extra, o caminho tem sido pelo aumento do endividamento das famílias.

Inflação no país

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, nesta quinta-feira (14/4), os dados de março do Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, que registrou taxas de inflação variando entre 1,24% para as famílias pertencentes aos estratos de renda mais alta e 1,74% no segmento de renda mais baixa. Os dados acumulados no ano até o mês de março indicam taxas de inflação entre 2,68% para o segmento de renda alta e 3,40% para o segmento de renda muito baixa.

No acumulado em 12 meses, as famílias de renda muito baixa, com renda domiciliar menor do que R$ 1.808,79, apresentaram a maior alta inflacionária, com a taxa de 12,0%, enquanto as famílias de renda alta, com renda domiciliar superior a R$ 17.764,49, registraram uma variação acumulada de 10,0%.

A análise dos dados desagregados de março mostra que os grupos ‘alimentos e bebidas’ e ‘transportes’ foram os principais responsáveis pela pressão inflacionária. Enquanto para as duas classes de renda mais baixa, a alta dos preços dos alimentos no domicílio foi o principal fator de pressão inflacionária, para os demais segmentos de renda, os aumentos do grupo transporte, especialmente dos combustíveis, foram os maiores pontos de impacto inflacionário.

Para as famílias de renda mais baixa, a pressão inflacionária exercida pelos alimentos em março foi decorrente de uma alta que atingiu itens de grande relevância para a cesta de consumo, dentre os quais: arroz (que subiu 2,7%), feijão (6,4%), cenoura (31,5%), batata (4,9%), leite (9,3%), ovos (7,1%) e pão francês (3,0%).

Já a pressão do grupo ‘transportes’ reflete mais o reajuste das tarifas de ônibus urbano (1,3%) e interestadual (3,0%) do que o aumento dos combustíveis, dado que o peso deste item na cesta de consumo dessas famílias é relativamente pequeno. Ainda que em menor intensidade, o grupo ‘habitação’ também impactou a inflação para as famílias de menor renda, principalmente por conta dos aumentos de 6,6% do preço do gás de botijão e de 1,1% da energia elétrica.

Enquanto isso, a pressão inflacionária para as famílias de renda mais alta veio principalmente do grupo ‘transportes’, repercutindo a alta de 6,7% da gasolina, de 13,7% do óleo diesel e de 8,0% dos transportes por aplicativo - sendo que esses efeitos foram, em parte, atenuados pela queda de 7,3% das passagens aéreas. De forma parecida, a redução de 0,69% dos planos de saúde ajudou a atenuar o impacto do grupo ‘saúde e cuidados pessoais’, que estava pressionado pelos reajustes de 1,3% dos medicamentos e de 2,3% dos produtos de higiene pessoal.

Em comparação com o mesmo período de 2021, enquanto a inflação do segmento de renda muito baixa passou de 0,71%, em março de 2021, para 1,74%, em março 2022, a taxa apurada na faixa de renda mais alta passou de 1,0% para 1,24% na mesma base de comparação.

Nos dados acumulados em 12 meses, a maior pressão inflacionária para as famílias de renda mais baixa reside no grupo ‘habitação’, que foi impactado pelos reajustes de 28,5% das tarifas de energia elétrica e de 29,6% do gás de botijão. Já as famílias de maior renda sentiram maior pressão do grupo ‘transportes’ refletindo os aumentos dos combustíveis, como gasolina (27,5%), etanol (24,6%), diesel (46,5%) e gás natural (45,6%), além do reajuste de 42,7% do transporte por aplicativo.

As altas dos alimentos em domicílio, principalmente os reajustes de 55,9% dos tubérculos, de 8,1% das carnes, de 18,9% de aves e ovos, de 13,5% dos leites e derivados e de 10,8% dos panificados, também provocaram impactos altistas sobre a inflação no período, sobretudo para as camadas de renda mais baixa.