Economia

Pandemia: 300 mil restaurantes fecham as portas no Brasil

O Brasil perdeu três em cada dez negócios voltados à alimentação fora do lar

Foto: LEIMAISba
O setor teme um colapso, por falta de receita

É o que mostra um balanço feito pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) citado ao Bom Gourmet Negócios pelo presidente da entidade, Paulo Solmucci. De acordo com ele, são cerca de 300 mil estabelecimentos fechados definitivamente em um setor que já teme um colapso com a demora pela aprovação de novas medidas de auxílio pelo governo federal.

Esperava-se a renovação do Programa de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), na semana passada, pelo Ministério da Economia. A expectativa é de que seria divulgado junto do anúncio da volta do Auxílio Emergencial, o que não ocorreu, destaca reportagem publicada pela Gazeta do Povo.

Isso ligou um sinal de alerta no setor, que prevê uma onda de fechamentos. Para Solmucci, a situação é semelhante a um doente em estado terminal.

“Em todo o Brasil já perdemos cerca de 300 mil empresas, e as 700 mil sobreviventes entraram em janeiro de 2020 achando que a situação iria melhorar um pouco. Quem está pagando a conta do que aconteceu após as eleições somos nós, o comércio de portas para a rua”, frisa.

Perspectivas para 2021

Apesar das demandas para o setor que, na visão de Solmucci “está completamente descapitalizado” e foi fortemente impactado pelas medidas restritivas necessárias para conter a disseminação da covid-19, a Abrasel projeta que o faturamento em 2021 será melhor que o de 2020. “Achávamos que, em 2021, retornaríamos ao patamar de 2019, com R$ 235 bilhões. Revisamos para baixo: R$ 215 bilhões a R$ 220 bilhões”, estimou.

Ele espera que já a partir de 15 de abril todos os bares e restaurantes estejam funcionando, ainda que com algumas medidas restritivas. “O que nós vamos ver agora, a partir dos primeiros dias de abril para frente, é uma redução da ocupação do sistema de saúde. A nosso ver, para não retomar mais”, afirmou. Para isso, conta com o avanço da vacinação no país.

A situação vivida em todo o Brasil é um reflexo de um cenário muito parecido ao que vem acontecendo na cidade de São Paulo e região metropolitana. Com uma população semelhante a estados inteiros como Minas Gerais e Rio de Janeiro, os 39 municípios somam 21,5 milhões de habitantes que viram 62 mil trabalhadores dos setores de alimentação fora do lar e hospitalidade perderem os empregos em 2020 de acordo com levantamento do Sinthoresp, o sindicato que representa os funcionários dos segmentos.

Destes, 56,2 mil foram em serviços como restaurantes, lanchonetes e serviços de catering – juntos somam 83,5% dos empregos dos setores.

Segundo a pesquisa, estes trabalhadores faziam parte das 35,6 mil empresas que estavam abertas até o final de 2019, entre as quais cerca de 10,5 mil encerraram definitivamente as atividades ao longo de 2020. Para este ano, outras 5 mil afirmam que temem não conseguir se manter de portas abertas por conta das medidas restritivas ainda em vigor por causa do recrudescimento da pandemia.

Segundo Rubens Fernandes da Silva, secretário-geral do Sinthoresp, os serviços de hospedagem e os restaurantes e bares registraram perdas econômicas extremamente significativas. Para ele, a recuperação, quando possível, será lenta e gradual.

“O impacto na cena gastronômica foi abrupto e absolutamente drástico, porque os estabelecimentos de São Paulo ficaram de portas fechadas de meados de março até julho do ano passado. No inicio de julho houve uma reabertura de somente 40% da capacidade, depois a 60%, e agora se retraiu totalmente. Foi uma colisão brutal”, explica.

O que se passa nos negócios do setor que servem aos 21,5 milhões de habitantes de São Paulo e região metropolitana é um reflexo de como o setor está sendo afetado no Brasil como um todo, que estava vendo um crescimento médio de 4,5% ao ano entre 2006 e 2019, e que foi abruptamente interrompido de uma hora para a outra em 2020.

Faturamento despencou

A pesquisa do sindicato laboral também analisa como foi a queda da renda dos trabalhadores a partir do faturamento das empresas. De 2006 a 2019, a remuneração média dos trabalhadores vinha crescendo 1,8% ao mês, acumulando um ganho de 26,9% a R$ 1.846,40 como piso – já acrescido das taxas de serviço ou gorjetas.

No entanto, em 2020, a Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS), do IBGE, apontou uma queda de faturamento de 36,8% nos setores de alojamento e alimentação. Isso fez com que a remuneração dos trabalhadores também encolhesse no período, segundo Rubens Fernandes da Silva.

“A remuneração dos nossos trabalhadores é composta de piso salarial e gorjetas, e aí houve uma defasagem em 2020 por conta dos restaurantes e demais estabelecimentos fechados. Sem clientes para atender, as gorjetas e taxas de serviço deixaram de ser arrecadadas, e o piso caiu para R$ 1.630”, conta.

Como os estabelecimentos continuam operando com restrições ora fechados e ora atendendo parcialmente, a renda dos que continuam empregados segue menor do que em 2019. Neste momento, o Sinthoresp trabalha na convenção coletiva que vai entrar em vigor em julho deste ano, e que deve ter um acréscimo de 5% referente aos últimos 24 meses calculados de acordo com o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M).

Apesar do alto número de postos de trabalho fechados ao longo de 2020, a quantidade de desempregados poderia ter sido 30% maior se não houvessem as medidas de apoio do governo federal, como o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). No entanto, antes disso, o próprio sindicato laboral já tinha conseguido firmar uma ação semelhante logo no começo das restrições, entre março e abril do ano passado.

Sem qualquer participação da prefeitura ou do governo paulista, a entidade aceitou flexibilizar alguns direitos trabalhistas para garantir a manutenção dos empregos, como a suspensão dos contratos de trabalho e redução das jornadas e salários em até 75%, que depois acabou chegando pelo governo federal.

“Conseguimos agora estender pelo menos até 30 de junho deste ano a redução de até 25%, e estamos trabalhando para renovar até o ano que vem”, comenta o secretário-geral do Sinthoresp.

Rubens explica que estes trabalhadores acabaram sendo ajudados pela complementação de renda do BEm, mas que o fim do programa em dezembro provocou uma queda abrupta nos rendimentos. Muitos estão com contas do dia a dia atrasadas, e o sindicato tem conseguido contribuir pelo menos com cestas básicas.

Por outro lado, pesquisa da Abrasel aponta que 78% dos empresários não conseguirão pagar os salários de abril nesta segunda (5), já que passaram o mês de março inteiro de portas fechadas em grande parte do país – a receita proveniente do delivery não chega a 30% na maior parte das operações.

“Como vamos garantir que esse pessoal mais fragilizado se mantenha em pé? Estamos com dois em cada três empresários com impostos atrasados”, enfatiza.

O secretário-geral do Sinthoresp completa a opinião de Solmucci dizendo que o setor está simplesmente engessado, e que é preciso a retomada dos auxílios ou a reabertura para não provocar uma quebradeira ainda maior.

“Vamos precisar da reabertura para que as pessoas possam voltar à sua normalidade, tem que haver um aquecimento da economia, as pessoas tem que ter renda. Somos resilientes, esperamos melhores momentos para retomar essa grandeza do setor”, conclui.

Em entrevista ao site Poder 360 o presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci, afirmou que a volta do programa de manutenção do emprego e renda (BEm) –que permite a suspensão de contratos de trabalho e redução de salários e jornada– é “fundamental” para o setor em meio ao agravamento da pandemia.

Em relação a outra medida adotada pelo governo, o adiamento por 3 meses do pagamento de impostos do regime tributário para micro e pequenas empresas –o Simples, considerou-a “inócua”.“Na verdade, está todo mundo atrasado com as mensalidades do ano passado”, declarou.

Solmucci ressalta que, além das medidas pendentes do governo federal, há iniciativas a serem adotadas por Estados e municípios que podem amenizar o impacto do setor. O Estado de São Paulo, que concentra 1/3 dos estabelecimentos do setor, anunciou no dia 17 um plano econômico, fiscal e tarifário para bares, restaurantes, academias, salões de beleza e produção de eventos.

Entre as medidas anunciadas está a liberação de R$ 100 milhões em linhas de crédito; suspensão de cortes nos serviços de saneamento e gás canalizado de 18 de fevereiro até 30 de abril (para estabelecimentos com consumo de até 100 m³ mensais de água e de até 150 m³ por mês de gás); além de isenção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 4,14% sobre o leite e retorno da alíquota cobrada sobre a carne para 7% (havia subido para 13,3% em janeiro).

Para ele, no entanto, o pacote foi “acanhado”. “O governo fez um movimento importante, que foi voltar atrás no aumento das alíquotas do ICMS das proteínas. Agora, as outras medidas são absolutamente desproporcionais e pouco potentes para um Estado do tamanho de São Paulo”, avaliou.

Ele elogiou as medidas adotadas pelo governo do Ceará. No início de março, o governador Camilo Santana (PT) anunciou isenção da conta de água de março a maio, parcelamento do ICMS por 5 anos, auxílio de R$ 1.000 para os trabalhadores do setor que estão desempregados, entre outras medidas.

“O Ceará realmente saiu na frente. Abriu uma linha a fundo perdido da ordem de R$ 90 milhões. […] Nós tivemos um avanço muito importante em Alagoas. Na Bahia começa a surgir alguma coisa. Estamos avançando bastante no Mato Grosso. O Amazonas também fez bastante coisa bacana: reduziu os ICMS do setor em 60%”, citou.