Artes Visuais

Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto inaugura mostra digital

De Programa Emergencial de Residência Artística

O ia – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto abriu a mostra Mina, Ruína, Caco e Minério – Ateliês Digitais, do Programa Emergencial de Residência Artística - iai. Em diálogo com questões sociais, históricas e políticas que orbitam nosso tempo, as artistas e residentes Bárbara Mol, Belize de Melo Neves, Efe Godoy, Massu Cristina, além de Douglas Aparecido da Silva e Lucas Soares, orientados pela curadora Tainá Azeredo, transportam seus ateliês para o ambiente digital, em uma plataforma criada especialmente para simular experiências de fruição em uma galeria de arte, e convidam o público para perscrutar as minucias de seus processos e obras que brotaram da imersão e dos diálogos realizados durante o Programa Emergencial de Residência Artística – iai, associados à subjetivação estética dos artistas e seus olhares para o mundo.

Tainá Azeredo, curadora do Programa, comenta que após seis semanas de trabalho intenso, com encontros virtuais, a mostra de processos da residência artística emergencial cria um território único de ateliê, construído e compartilhado entre o grupo de artistas participantes. “As pesquisas, que tiveram seus pontos de partida de lugares muito diversos, convergem nesta plataforma, para um esquema rizomático, que as conecta e as enlaça, encontrando um vocabulário comum. Entre pedras, ruínas, cacos, ouros e minérios, o público é convidado a entrar e descobrir por caminhos sinuosos o percurso que os seis artistas fizeram para chegar até aqui”, analisa.

Batizada de Mina, Ruína, Caco e Minério, os componentes que estruturam a mostra são verdadeiros pontos de intercessão (e, ao mesmo tempo, inflexão), das trocas realizadas ao longo da residência artística, tendo como referência espacial a cidade de Ouro Preto, e existencial, valores que remetem à urgência da descolonização do pensamento, de memórias, saberes e fazeres artísticos. Desse contexto, mina e minério emergem como elementos inerentes a estruturas simbólicas colonialistas e neoliberais ligadas à exploração e subjugação do humano e do meio-ambiente; e ruína e o caco, sublevam-se como resquícios advindos da destruição de emblemas coloniais, capazes de, a partir de um gesto de coleta, serem reconstruídos ou coladas, fazendo surgir a possibilidade de se contar outras histórias e narrativas disseminadas nos regimes de visibilidade, visualidade e discursos que se contrapõe ao moralismo do status quo.  

Nesse sentido, a mineira Efe Godoy, artista plástica híbrida e fenômeno das redes sociais, abre seu ateliê com uma fusão poética rumo ao menor, em detrimento da velocidade e do frenesi do dia-a-dia, imprimindo, em diferentes dispositivos, sensações, olhares e escutas que tomam sua corporeidade de assalto, por meio de vídeos, narrações e aquarelas de seres híbridos que lembram os bestiários setecentistas - mas de verniz sereno e poético, onde o sublime reina sobre o horror. Natural de Uberlândia, mas radicada em Ouro Preto, após experiências na Irlanda e em Portugal, Belize encontrou em vídeo-performances experimentais aliadas a texto-manifestos, vazão para a expressão de fragmentos de seu cotidiano, traçados pela coleta de pedras de uma caçamba de lixo e o uso de vestimentas ritualísticas para tratar das relações entre peso e leveza na contemporaneidade.

Morador da Rua da Fumaça, localizada na periferia de Ouro Preto, Douglas Aparecido apresenta os primeiros passos de seu Outro Preto, conceito cunhado pelo artista para dar visibilidade a uma Ouro Preto escondida, distante do centro histórico, materializada em aquarelas e em um “louvatório” que conclama o espectador para o gesto de louvar os ancestrais, ao invés de orar para o santos de devoção cristã. Já em Zênite Barroco, obra em processo, a artista e pesquisadora belo-horizontina, radicada em Ouro Preto desde a infância, Bárbara Mol, cria uma instalação composta de fotografia via satélite da Barragem do Mazargão (Ouro Preto), com pedras de bauxita coletadas em torno de lugares por onde ela caminha e onde cresceu. A instalação tem a pretensão de promover o embate entre paisagens da infância e geopolíticas, pôr em atrito o colonial e o descolonial (nem que seja simbolicamente), para, a partir desse enfrentamento, fazer surgir relações ético-políticas frente ao Outro e ao meio-ambiente.

Carioca, residente em Juiz de Fora (MG), o artista Lucas Soares apresenta em seu ateliê a experiência de um episódio de queda, ocorrida em dezembro de 2020. À época, uma árvore derrubou um monumento dedicado ao empreendedor e escravocrata Bernardo Mascarenhas, em Juiz de Fora.  Dentro dele havia uma colmeia de abelhas em plena atividade. Esse acontecimento catalisou no artista o desejo de materializar em desenhos e esculturas três elementos existenciais que edificam seu trabalho: a queda, a fragmentação e o mel. Por fim, Massu Cristina, que recentemente foi laureada com o prêmio Vozes Agudas, traz uma reflexão sobre o lugar dos sujeitos na criação, no tempo e no espaço onde se experiência a vida. No caso da artista, sua casa, na cidade de Sabará, que, mais do que espaço geográfico, configura um lugar de memória e afeto, transpostos para os abayomis que criando ao logo da residência.

A mostra Mina, Ruína, Caco e Minério - Ateliês Digitais é realizada com recursos da Lei Aldir Blanc, do Governo Federal, através da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Geris e fica aberta à visitação até o dia 08 de abril, através do portal: www.ia.art.br .

Programa Emergencial de Residência Artística – iai

Criado pelo ia, através do iai – Instituo de Arte Interativo, seu braço digital - o Programa Emergencial de Residência Artística contou com 06 residentes e tem como objetivo traçar paralelos entre manifestações regionais, próprias de artistas do município de Ouro Preto, e globais, ampliando o universo dessas práticas para o trabalho de artistas residentes no estado de Minas Gerais, além de apontar caminhos e reflexões sobre inevitabilidade atual de se produzir, observar, fruir e interagir em um contexto de distanciamento social.

 A residência se estrutura em três questionamentos centrais: de que modo as plataformas digitais podem colaborar com os programas de residência artística e ajudar a criar outras formas de produzir e estar no mundo? Como as plataformas digitais podem ser utilizadas para nos auxiliar a encontrar outras temporalidades e espacialidades nos/dos trabalhos artísticos? Como a realidade digital pode evidenciar territórios invisíveis e contribuir para uma discussão decolonial, com foco em práticas artísticas atravessadas por questões sociais e políticas?

Com encontros coletivos e individuais, parte deles privados e parte públicos, no formato de lives, visando descortinar os processos inerentes às residências artísticas, o programa contou com quase dois meses de imersão, diálogos, desenvolvimento de trabalhos e orientação curatorial, a partir de uma plataforma digital edificada para a realização de uma residência que pudesse não só fomentar a arte contemporânea e o trabalho de artistas em tempos de pandemia, mas, igualmente, apontar horizonte de possibilidades para o futuro das residências. 

ia - Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto

Sediado em Ouro Preto, Minas Gerais, o ia - Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto é uma instituição cultural sem fins lucrativos, que atua na pesquisa e desenvolvimento de projetos de curta a longa duração, se estabelecendo como uma plataforma colaborativa que busca agregar valores da diversidade social, das tecnologias digitais, da sustentabilidade e da economia criativa.

Idealizado por Bel Gurgel, presidente executiva do ia, a instituição possui quatro pilares fundamentais que estruturam suas ações, a saber, a troca, o diálogo, a desconstrução e a decolonização, que, juntos, articulam novas linguagens artísticas, integrando conhecimentos e impulsionando artistas a explorarem o significado e o impacto de suas experiências de vida em seu próprio trabalho, no território e não contato com o diferente.