Brasil

Jovens são a voz da favela

Coletivos de jovens do Rio de Janeiro se mobilizam para apoiar famílias vulneráveis

Foto: Gabriel Oliveira/Unicef
Jovens visitam moradores da favela Palmeirinha, na zona norte do Rio de Janeiro

Nos últimos meses, Lays dos Santos tem lançado um outro olhar para Palmeirinha, favela onde mora na zona norte do Rio de Janeiro. Com a crise emergencial gerada pela pandemia do novo coronavírus, a jovem de 21 anos e outros integrantes do projeto de mobilização social da juventude Eu Vivo Favela decidiram traçar estratégias para apoiar a comunidade neste momento.

Ao identificar as necessidades mais urgentes do território, o grupo se deparou com uma realidade desconhecida: o recente surgimento de “subfavelas” dentro da própria favela. Elas agrupam pessoas vivendo sem saneamento básico, em condições bastante precárias.

O coletivo então estruturou uma rede de apoio à população mais vulnerável morando nessas “subfavelas”. Uma das ações, realizada a partir de uma parceria estratégica entre UNICEF e empresas parceiras, distribuiu kits de higiene e limpeza e cestas básicas, priorizando famílias recém-formadas, catadores de materiais recicláveis sem condições apropriadas de moradia e lares com grande número de crianças.

“A gente foi um suspiro de alívio para algumas famílias neste momento de caos. E de esperança também. Na entrega das doações, a gente tentava transmitir um sentimento de paz e esperança, de que tudo vai ficar bem”, conta Lays.

A família de Tatiane Leite Silva foi atendida pela ação dos jovens. Grávida e desempregada, ela sustenta os dois filhos e a mãe com o trabalho de catadora. No pouco espaço disponível, a família precisa conviver com os materiais recicláveis que Tatiane recolhe para vender.

“O difícil é que todo mundo mora num barraco pequeno. Mas aqui a gente se previne: lava as mãos e usa máscara quando sai na rua. Eu recebi álcool em gel e produtos de limpeza que eu não tinha em casa. Agora eu vou passar a usar”, diz.

A vulnerabilidade de famílias como a de Tatiane se agravou com a crise trazida pelo novo coronavírus. A maioria das pessoas atendidas pela distribuição de kits disse não receber benefício governamental ou auxílio emergencial.

Muitos dos catadores identificados não dispõem de saneamento básico e, para sobreviver, passaram a buscar os materiais recicláveis cada vez mais longe, aumentando assim o risco de contaminação.

“O distanciamento social dentro da favela é uma realidade inexistente, já que muitos moradores são trabalhadores informais ou desempenham serviços considerados essenciais. Eles falavam: ‘ou eu paro ou eu passo fome’. Por conta da necessidade, não existe como optar pelo distanciamento e isso aumenta o grau de vulnerabilidade e o risco de contaminação”, diz Lays.

A jovem explica que Palmeirinha é uma favela relativamente pequena, mas inserida em contexto de muitas ausências. Por conta desse cenário de exclusão e invisibilidade, ela defende a importância de se promover uma mudança de pensamento nos moradores do local, buscando construir uma juventude consciente de seus direitos: “A gente entende que informar e empoderar o jovem significa proteger esse jovem”.

Lays começou a atuar na comunidade ainda adolescente, após perder um amigo, vítima da violência. A morte do jovem, seguindo tantas outras - “que já não cabem nos dedos das duas mãos” , despertou nela vários questionamentos e o desejo de fazer algo que direcionasse os jovens da favela para um caminho de pertencimento, apropriação e proteção.

Dessa vontade de construir diálogos, surgiram rodas de conversas em escolas. Assim, nasceu o projeto Eu Vivo Favela, que tem como bases a mobilização e a participação social da juventude. Um trabalho que segue firme durante a pandemia.

“É importante que a gente seja a potência, a voz das favelas. Precisamos ocupar nossos espaços de discussão, ser dono das nossas próprias falas”, diz. E o grupo já desenha estratégias para quando tudo passar. O próximo passo é concretizar a ideia de um podcast sobre saúde mental dentro da favela, oferecendo uma rede de apoio emocional com atenção especial à gravidez na adolescência.