Além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também viraram réus o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.
Dois ex-executivos da Odebrecht - Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar - também tiveram a denúncia aceita pelo juiz federal Luiz Antônio Bonat, da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, que considerou "presentes indícios suficientes de materialidade e autoria"".
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), o crime envolveu doações da Odebrecht ao Instituto Lula para disfarçar repasses no total de R$ 4 milhões, entre dezembro de 2013 e março de 2014.
Lula e os outros réus são acusados de dissimularem doações da empreiteira ao Instituto Lula de 4 milhões de reais entre dezembro de 2013 e março de 2014.
Os valores ilícitos foram repassados mediante quatro operações de doação simulada, cada uma no valor de 1 milhão de reais, diz a Lava-Jato.
Segundo a Lava-Jato, as investigações apontam que, para dissimular o repasse da propina, o empresário Marcelo Odebrecht, atendendo a pedido de Lula e Okamotto, determinou diretamente que o valor fosse transferido sob a forma de doação formal ao Instituto Lula.
“Os valores foram debitados do crédito ilícito de propina contabilizado na ‘Planilha Italiano’, mais especificamente da subconta chamada ‘amigo’ (rubrica referente a Lula, conforme as provas), na qual foi inserida a anotação ‘Doação Instituto 2014’ no valor de R$ 4 milhões, como demonstrado por reprodução da planilha incluída na denúncia”, diz a Lava-Jato.
De acordo com o procurador da República Alessandro Oliveira, “são centenas de provas, de comunicações a planilhas e comprovantes de pagamento que ligam a doação formal de altos valores a possíveis ilícitos praticados anteriormente. Isso demonstra a complexidade e a verticalidade da análise realizada pela força-tarefa em diversas fases, nesse caso a lavagem de dinheiro, mas sem perder a noção de um contexto mais amplo de práticas”.
O juiz Luiz Antônio Bonat considera que a denúncia, "não se escora tão-somente no depoimento de colaboradores, mas igualmente em provas e indícios obtidos de forma autônoma e independente, a exemplo de mensagens eletrônicas constantes de notebook apreendido com Marcelo Bahia Odebrecht e de mídia que estava em posse de Fernando Migliaccio".
As mensagens fazem menção, em linguagem cifrada, a valores que seriam descontados da conta corrente de propinas e remetidos ao Instituto Lula, e datam dos anos de 2011 e 2013, "ou seja, antes da formalização dos acordos de colaboração premiada dos executivos do Grupo Odebrecht e de Antonio Palocci, e, na verdade, muito antes do início da assim denominada Operação Lava Jato, em março de 2014. A peça acusatória fundamenta-se, ainda, em planilha apreendida com Paulo Okamotto, na qual se faz menção a valores solicitados a diversas empreiteiras, com a conseguinte anotação de pagamento dos R$ 4 milhões ao Instituto Lula, no que diz respeito à Construtora Norberto Odebrecht".
Em seu despacho, o juiz destaca: "os próprios recibos das doações feitas pela Construtora Norberto Odebrecht ao Instituto Lula são indícios dos crimes imputados aos acusados".
A posição do ex-presidente no esquema é assim resumida na denúncia:
- no período em que estruturados os crimes em detrimento da Petrobras, cabia a LULA prover os altos cargos da Administração Pública Federal. Por meio do Decreto nº 4.734/2003, o ex-Presidente da República delegou parte desses poderes a JOSÉ DIRCEU, seu “braço direito”;
- para angariar o apoio de partidos que não compunham a base de seu Governo, LULA indicou nomes ligados ao PMDB e ao PP para ocupar altos cargos da Administração Pública Federal, assim agindo em relação às mais importantes diretorias da Petrobras;
- o “Mensalão”, esquema criminoso de compra de apoiopolítico por meio de recursos ilícitos, levou à condenação de integrantes do PT com os quais LULA manteve contato por anos dentro do partido e que ocuparam cargos de relevância na sua campanha presidencial e no seu Governo. Além disso, foram condenados por corrupção líderes dos partidos que o apoiavam;
- diversos casos de corrupção semelhantes aos reveladosno “Mensalão” e na “Lava Jato”, notadamente envolvendo a ELETRONUCLEAR, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, o MINISTÉRIO DA SAÚDE e o MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, desenvolveram-se no âmbito da alta cúpula do Poder Executivo federal, e seus benefícios convergiram, direta e indiretamente, ao vértice comum de todos eles, no qual se encontrava LULA;
- o viés partidário dos esquemas criminosos esteve assentado na formação e manutenção da base aliada do Governo LULA, com a negociação do apoio do PMDB e PP, especialmente, envolvendo a distribuição de cargos da alta Administração Pública Federal que visavam a arrecadar propinas destinadas a agentes e partidos políticos;
- o quadro de corrupção sistêmica aprofundou-se mesmoapós a saída de JOSÉ DIRCEU do cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil, perdurando durante todo Governo LULA e mesmo após seu encerramento;
- LULA recebeu da ODEBRECHT, direta e indiretamente, mediante deduções do sistema de caixa geral de propinas, vantagens indevidas durante e após o término de seu mandato presidencial;
- LULA agiu para a instituição e a manutenção do esquema criminoso, além de ter sido o agente que dele mais se beneficiou:
- fortaleceu-se politicamente, de forma ilícita, ampliando e mantendo a base aliada no poder federal;
- ampliou indevidamente a sustentação econômica de seu grupo político, garantindo vitória nas eleições seguintes, beneficiando, ainda, campanhas eleitorais de outros candidatos de sua agremiação;
- auferiu para si vantagens financeiras;
- LULA atuou diretamente na nomeação e na manutenção de PAULO ROBERTO COSTA, RENATO DUQUE, NESTOR CERVERÓ, e JORGE ZELADA nas Diretorias de Abastecimento, Serviços e Internacional da Petrobras, com ciência acerca do uso dos cargos para a arrecadação, junto a empresários com contratos públicos, de propinas para distribuição a agentes e partidos políticos;
- LULA atuou diretamente para que NESTOR CERVERÓ fosse nomeado Diretor Financeiro da BR DISTRIBUIDORA, após este ser substituído por JORGE ZELADA na Diretoria Internacional da Petrobras, em reconhecimento por ter angariado nessa Diretoria vantagens ilícitas de grande valia para o Partido dos Trabalhadores.
Prossegue a denúncia, quanto à participação do ex-presidente nos fatos denunciados, descrevendo que:
- de modo consciente e voluntário, manteve RENATO DUQUE e PAULO ROBERTO COSTA nas Diretorias de Serviços e Abastecimento da Petrobras, ciente do uso dos cargos para a arrecadação, junto a empresários com contratos públicos, de propinas para distribuição a agentes e partidos políticos;
- solicitou, aceitou promessa e recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas oferecidas e prometidas por executivos do Grupo ODEBRECHT. A solicitação, aceitação de promessa e recebimento indireto já restaram esclarecidos quando foram evidenciadas, nos tópicos anteriores, tais condutas por parte de PAULO ROBERTO COSTA, ALBERTO YOUSSEF, RENATO DUQUE e PEDRO BARUSCO;
- solicitou, aceitou promessa e recebeu vantagens indevidas em razão de sua função e como responsável pela nomeação e manutenção dos Diretores da Petrobras. Como demonstrado acima, enquanto Presidente da República, LULA tinha poder para orquestrar o esquema. Tanto foi assim que, após deflagrada a “Operação Lava Jato”, temendo pela revelação de seu envolvimento, LULA tentou impedir que um dos antigos Diretores participante do esquema de propinas, NESTOR CERVERÓ, firmasse acordo de colaboração premiada com o MINISTÉRIO
- pelos benefícios obtidos pelo Grupo ODEBRECHT junto à Petrobras, recebeu vantagens indevidas oferecidas e prometidas por MARCELO ODEBRECHT.
A defesa de Lula afirmou que a decisão é um ato de perseguição e que a ação penal é descabida.
Em nota, o advogado Cristiano Zanin Martins diz que a denúncia "tenta transformar doações lícitas e contabilizadas para o Instituto Lula – que não se confunde com a pessoa do ex-presidente - em atos ilícitos, em evidente prática de lawfare [guerra jurídica]".
"A mesma decisão desconsidera que Lula já foi definitivamente absolvido pela Justiça Federal de Brasília da absurda acusação de integrar de uma organização criminosa, assim como desconsidera decisão do Supremo Tribunal Federal que retirou da Justiça Federal de Curitiba a competência para analisar o assunto. Por tais motivos, dentre outros, a decisão será impugnada pelos meios legalmente cabíveis”, conclui o advogado.
O Instituto Lula informou que as doações "foram legais, feitas via transferências bancárias documentadas e contabilizadas, com os devidos impostos declarados e recolhidos. Cada centavo arrecadado foi gasto e contabilizado exclusivamente nas atividades do Instituto".
"Esta instituição jamais serviu para ilícitos, ela é responsável pelo acervo e legado do governo que tirou o Brasil do mapa da fome e foi palco da elaboração de algumas das políticas públicas mais exitosas na história do país", afirmou.